JOSÉ PASTORE - Professor da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. É membro da Academia Paulista de Letras
A crescente onda de agressão contra as mulheres passou dos limites do tolerável. As denúncias aumentam a cada dia. A Organização Internacional do Trabalho espera que o Brasil ratifique a Convenção 190 que trata da violência e do assédio no mundo do trabalho.
É uma convenção meritória, mas dotada de conceitos imprecisos e que geram muita insegurança jurídica. No seu artigo 1º lê-se que violência e assédio são "comportamentos e práticas inaceitáveis, ou suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam suscetíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou econômico".
Condutas que causam danos às pessoas são mais do que justificáveis para punição dos agressores. Mas, quando elas são "suscetíveis" de provocar danos, caímos no subjetivismo que, certamente, alimentará uma avalanche de ações trabalhistas a serem resolvidas pela Justiça no desamparo de conceitos objetivos. Como provar que determinado comportamento é suscetível ou visa provocar danos pessoais?
Termos abrangentes ampliam o espectro de proteção, é verdade, mas, dificultam a sua aplicação. A própria expressão "mundo do trabalho" é vaga quando se trata de delimitar as situações concretas dentro das quais ocorrem a violência e o assédio.
Outra regra imprecisa da Convenção 190 é o disposto no seu art. 10º (g) que permite aos trabalhadores "se retirarem de uma situação de trabalho caso tenham uma justificativa razoável para acreditar no que representa um perigo iminente e sério para a sua vida, para a sua saúde ou segurança devido à violência e assédio...". Esse texto está carregado de termos vagos que alimentarão controvérsias infindáveis em uma profusão de ações judiciais complexas e de difícil solução.
Mais grave, no art. 10º (h), a Convenção dá aos auditores fiscais o poder para "emitir ordens para interromper o trabalho" dos queixosos. É um poder excessivo, pois, os casos de violência e assédio exigem provas adequadas e ampla defesa do acusado, o que torna insuficiente a simples manifestação dos queixosos.
O nobre propósito da Convenção 190 é o de levar os países a adotarem leis e políticas públicas para prevenir a violência e o assédio no trabalho. Mas, no Brasil, existem inúmeras leis que tratam do assunto, todas com razoável precisão de conceitos. Por exemplo, o assédio sexual é crime que se caracteriza por "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função" (Código Penal, art. 216-A). Também é crime "praticar contra alguém, e sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro" (art. 215-A).
Há mais. "A honra, a imagem, a intimidade, a integridade física, a sexualidade são bens protegidos e quando violados ensejam indenização na proporção da ação ou omissão" (CLT arts. 223-B a 223-G da CLT e Código Civil art. 927). O assédio e a violência podem justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho (CLT art. 483), situação em que o empregado recebe todas as verbas rescisórias, além da reparação do dano.
A Lei 14.132/2021 prevê multa e reclusão aos que "perseguem reiteradamente e ameaçam a integridade física ou psicológica das pessoas, invadindo ou perturbando a sua privacidade". Além disso, temos várias leis estaduais e municipais na mesma direção. Em outras palavras, o Brasil já possui o que a Convenção pretende no seu art. 8º: a implantação e "medidas adequadas para prevenir a violência e o assédio no mundo do trabalho". Por isso, em lugar de ratificar uma convenção vaga e subjetiva, convém ao Brasil reforçar as campanhas junto aos empresários, gestores, empregados e opinião pública sobre a intolerância da violência e do assédio sexual e moral no trabalho e suas claras punições legais. Já temos muitas leis. O que falta é compliance.
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