JOSEFINA SERRA DOS SANTOS - Advogada, integrante da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF
Fatos históricos marcaram a trajetória feminina por emancipação no Brasil, o que retrata a busca por direitos dos quais somente os homens se beneficiavam. Até o século 19, às mulheres, além de dever obediência aos pais, não era permitido a posse de terras, perceber o próprio sustento, votar nem ser votada, muito menos decidir sobre seu próprio corpo. Ao se casar, tornavam-se submissas aos maridos. Em todas as situações, legalmente falando, as mulheres estavam impossibilitadas de exercer seus direitos civis. Foram mais de 150 anos de opressão do macho sobre a fêmea. A participação feminina na política é uma realidade que cresce na maioria dos países do mundo. O movimento sufragista não foi suficiente para garantir que mulheres e negros exercessem seus direitos na sociedade. Harriet Tubman foi uma das vozes negras femininas a lutar para que as mulheres saíssem da tutela dos homens.
No Brasil, o direito ao voto feminino veio por meio da Lei nº 660/1927, quando o nome da professora Celina Guimarães Vianna foi incluído entre os eleitores, no Rio Grande do Norte, tornando-a a primeira mulher votante da América Latina. Somente em 1932, o Código Eleitoral permitiu que todas as mulheres brasileiras pudessem votar e ser votadas. A feminista e professora Antonieta de Barros foi, em 1935, a primeira mulher negra a assumir o mandato de deputada estadual em Santa Catarina.
Apesar das conquistas femininas ao longo da história do Brasil, quando o assunto é o parlamento, as mulheres ainda são minoria nos cargos políticos, gerando baixa representatividade. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, na Câmara dos Deputados e no Senado, as mulheres ocupam somente 15% e 12% das vagas, respectivamente. Desse total, negras e indígenas são minoria. Resta claro que "(...) a abolição das barreiras legais não representou o acesso igualitário de ingresso na política. Entraves de diferentes naturezas à participação feminina continuam em vigor. (...) Os padrões diferenciados de socialização de gênero e a construção social da política como esfera masculina inibem, entre as mulheres, o surgimento da vontade de participar" (Miguel e Biroli, 2014).
Nasci quilombola, filha de quebradeira de coco babaçu, ex-empregada doméstica e quero dizer às mulheres brasileiras que, independentemente da sua história de vida, não se deve temer nem deixar de lutar para ocupar seus espaços de fala, seus lugares de poder, entre eles, a política. Mesmo antes de me tornar uma advogada popular jamais temi a luta, pelo meu país e pelo meu povo, que foi oprimido pelo escravismo colonialista. Ao levar nossas ideias para o Congresso, a parlamentar está levando as ideias das mulheres, é uma representante igual a cada uma de nós negras, indígenas e brancas.
As mulheres, especialmente as negras, sempre carregaram bandeiras, caixas e apetrechos das mulheres brancas a fim de que elas chegassem ao poder antes de nós. Curiosamente, eram as ideias das mulheres negras que as brancas levavam, como se fossem suas, igualando-se aos homens brancos, exercendo poder e dominação sobre os negros por meio da escravização. Nós podemos, sim, concorrer ao pleito eleitoral e, entre outras ações, fiscalizar o porquê de as políticas públicas para a população negra não estarem sendo efetivadas. As mulheres negras sempre apoiaram as brancas no poder, inclusive votando nelas, mas quando elas eram eleitas, nem sempre éramos lembradas.
Não podemos aceitar que outras pessoas falem por nós ou decidam acerca dos nossos direitos, nós mesmas podemos fazer isso. Nós mulheres negras somos maioria e sempre votamos nas mulheres brancas, entretanto, chegou a hora de elegermos nossas próprias representantes, e vencer as barreiras levantadas contra nós pelos homens e mulheres brancos, inclusive nos partidos políticos. Costumo dizer que o 'não' nós já temos, vamos atrás do 'sim'. Ao deixar de votar em uma mulher negra para o Congresso, as mulheres negras deixam de se valorizar, agredindo, portanto, a si próprias e as que vieram antes delas.
A democracia e a igualdade de direitos só serão plenas no Brasil, na medida em que mais mulheres ocupem os espaços de poder no Parlamento, especialmente as negras e indígenas. Não podemos aceitar a ordem política brasileira vigente, que privilegia os homens em detrimento das mulheres nos espaços legislativos e isso só pode ser alterado por meio do voto e da participação feminina. Precisamos manter o movimento contra a exclusão e a segregação política.