A humanidade deverá superar novos desafios para recuperar a energia construtiva que revelou possuir durante a tragédia da pandemia enfrentada pelo planeta. Não faltaram esforços universais para conter esse avanço gigantesco da mortalidade, que abalou as bases da sociedade humana. São exemplos a criação e produção de imunizantes com os quais foi possível vacinar a grande maioria das populações, além de uma segura orientação comportamental das pessoas para reduzir a capacidade de transmissão do vírus em causa.
Na fase do atual abrandamento da pandemia, o Brasil merece investimentos que lhe permitam renascer, na dimensão territorial que possui, a fim de que nossa sociedade possa incorporar a civilização humana, algo que já lhe falta há séculos.
Alguns tópicos são prioritários para essa inadiável reconstrução do país. Os pilares insubstituíveis de tal renascimento são: 1) Família afetuosa e educativa; 2) Infância saudável; 3) Saúde; 4) Educação. Se não forem alvo de investimentos solidamente construtivos, o país seguirá mergulhado nas tragédias com as quais não poderá mais conviver sem o compromisso de apagá-las do cenário nacional.
A família legítima é hoje um núcleo social indispensável para a evolução das novas gerações. É oriunda da era romana. Consolidou-se ao longo de séculos como um grupo social voltado para os valores divinos da Sagrada Família. Contudo, na era da indústria, desviou-se da rota humanista assumindo paulatinamente a semelhança com um modelo de empresa, algo incoerente com o núcleo familiar que manteve a sociedade humana inspirada em valores afetuosos, aconchegantes, morais e éticos entendidos como a única e verdadeira riqueza a ser construída e cultivada.
Portanto, a família humana precisa voltar a ser a fonte de energia moral e espiritual capaz de manter as novas gerações em sintonia com uma sociedade realmente civilizada. Para tanto, é inadiável investir no reconhecimento da nobre missão da maternidade, exercida unicamente pela mulher, cujo organismo reúne todas as peculiaridades que lhe conferem a essência estimulante da ternura, aconchego, afeto e amor desde a fase de gestação, identificando-a plenamente com a sua natureza materna capaz de se dedicar, de corpo e alma, aos cuidados com filhos.
A infância saudável merece a maior prioridade, direito bem expresso no artigo 227 da Constituição brasileira. Trata-se da fase de vida na qual o cérebro do indivíduo nasce, cresce, se diferencia e adquire o mais elevado potencial de aprendizagem que, devidamente estimulado nas suas interações com o meio ambiente, permite formar o perfil original de sua personalidade, que será dotado de grande capital cognitivo para qualificar o verdadeiro cidadão.
Pode-se, pois, deduzir que o papel do núcleo familiar é de elevada importância na qualificação da infância saudável, razão pela qual o país deverá investir no reconhecimento de que o amor materno é assim o alicerce da cidadania, que não poderá ser desprezado.
Vale a pena insistir no conceito de que a saúde é o bem-estar físico, mental e social. Infelizmente, nossos governantes não querem aceitar essa visão tão clara, cuja base fundamental é a prevenção das doenças e não seu diagnóstico e tratamento. Está bem demonstrado que a prevenção das doenças salvaria boa parte da população e reduziria acentuadamente o custo do SUS.
Não podemos ignorar, por exemplo, que cerca da metade de nossa população vive em ambiente sem nenhuma estrutura sanitária, convivendo com o esgoto a céu aberto, que gera grande número de doenças microbianas e parasitárias. O governo português já está projetando a reforma de seu Sistema Nacional de Saúde (SNS). O presidente da República daquele país, Professor Marcelo de Souza, num discurso recente, pronunciou uma frase que define bem a mudança a ser feita. Para ele: "A prioridade é prevenir e não remediar".
No que concerne à educação, não se pode ignorar que, no conceito de Cícero, da era romana, "educar é amamentar, proteger e instruir". É a síntese que mostra o panorama abrangente da educação desde a infância. Ademais, é a fonte de relações humanas baseadas na paz, no respeito ao próximo como base do altruísmo igualitário. A boa educação de alto nível, igual para todos, gera a prática do diálogo pacífico que supera tranquilamente as divergências de opinião e promove sábias convergências comprometidas com os avanços necessários da sociedade humana. Em suma, a civilização humana há de ser a alma da sociedade brasileira sem arma.
* Dioclécio Campos Júnior é médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, ex-presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec)