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Artigo: Geoeconomia nos custos do mundo

IGOR MACEDO DE LUCENA - Economista e empresário, doutorando em relações internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política

A geoeconomia é caracterizada como um campo de estudo dos efeitos das ações políticas sobre o mundo econômico e vice-versa. Dentro desse conceito, a inter-relação entre Estados, empresas e investimentos ao longo do tempo vem sendo cada dia analisada como fundamental para o desenvolvimento das sociedades. Nesse contexto, talvez o ponto mais importante a ser analisado nos dias atuais seja o efeito que vem sendo causado dentro das cadeias globais de valor e principalmente como a globalização vem sendo alterada por eventos políticos em todo o planeta.

Se no início da década de 1990 estávamos assistindo ao mais rápido crescimento da globalização, o que se apresentava era visto como a expansão das empresas no exterior, a busca por fornecedores mais eficientes, a instalação de subsidiárias no exterior que pudessem ser mais produtivas e com menores custos e com margens de lucros cada vez maiores, mas hoje a situação não é tão simples e direta assim.

A rápida globalização também gerou problemas como a desestabilização de mercados financeiros e crises em mercados emergentes, e agora surge um problema ainda mais crônico: a disrupção de cadeias produtivas. A pandemia da covid-19 foi o primeiro choque desse tipo de disrupção, em seguida veio a guerra da Ucrânia. Outros problemas como desastres naturais ou novas pandemias podem tornar essa situação ainda mais complexa. A Apple prevê que pode haver perda de até 10% do seu faturamento por trimestre por causa desses tipos de problemas.

Nessa lógica, a busca incessante da globalização com foco unicamente na redução de custos se tornou não apenas arriscada, mas já vem prejudicando a cadeia produtiva completa das empresas, o que de fato as faz repensar como vão produzir daqui para a frente. Outro ponto fundamental foi a falsa ideia de que nações autocráticas poderiam se transformar em democracias por meio do sistema capitalista, desse modo contribuindo para o desenvolvimento social e humano.

A realidade que se apresentou foi inversa, pois nações como a China e a Rússia se tornaram capitalistas, mas seus líderes não democráticos utilizam o sistema globalizado como instrumentos de chantagem e coerção contra os inimigos e os agentes que desafiam seus interesses. Nesse contexto, a dependência energética e industrial dessas e de outras nações autocráticas passa não mais a ser um ativo de custos baixos e alta lucratividade para as multinacionais, mas se tornaram riscos que hoje desafiam a lucratividade das empresas em um mundo cada vez mais dividido por conflitos geopolíticos.

O fato é que agora as empresas precisam colocar a geopolítica e a geoeconomia dentro das suas contas de investimentos e procurar saber como esses aspectos podem afetar a produção. Exemplos hoje não faltam, sejam as sanções econômicas impostas à Rússia seja os novos lockdowns chineses da política Zero Covid. Tais ações afetam diretamente as cadeias globais de valor e paralisam corporações inteiras ao redor do planeta. Mas como as companhias vão se adaptar ao novo mundo? O primeiro passo já foi dado com a realocação de unidades fabris. O nível de Investimento Direto Estrageiro em nações como Indonésia, Vietnam e Índia vem crescendo a taxas superiores às chinesas, pois as companhias não querem ficar à mercê de novos lockdowns chineses.

Segundo recente pesquisa da McKinsey, aproximadamente 81% dos fornecedores das grandes empresas que dependem de compras de matérias-primas passaram a trocar um por dois ou três fornecedores mesmo que isso venha aumentando seus custos unitários, contudo essa é uma maneira direta e objetiva para diminuir choques externos na cadeia de produção. Outra ideia está sendo aumentar o nível dos estoques, o que serviria para impedir paradas abruptas na produção, e isso imobilizaria mais capital, diminuindo o resultado das companhias. O fato de que essas companhias estão aumentando seus custos significa que elas temem disrupções nas suas cadeias produtivas e que isso se torne algo cada vez mais comum, colocando em risco a perpetuação das atividades.

Algumas empresas mais radicais, em especial do setor automotivo, já buscam verticalizar suas operações adentrando desde a extração do minério de ferro, passando pela transformação do aço e até participando de empresas de desenvolvimento de chips e baterias elétricas, o que mostra o grau de preocupação com eventos geopolíticos no futuro. Ao mesmo tempo, empresas chinesas ampliaram suas realocações para o México em busca de manter-se no mercado norte-americano sem as amarras e os problemas geopolíticos e sanitários da China, mantendo a ideia de regionalização do acordo US-MEX-CAN a seu favor.

Nações como a Alemanha voltam a utilizar o carvão como fonte de energia, e os Estados Unidos voltam a negociar um controverso gasoduto até o Canadá. O fato é que novas infraestruturas e novos contratos de longo prazo estão levando o mundo a uma direção na produção de bens e serviços menos eficiente, contudo mais seguros. Em uma recente pesquisa das Nações Unidas, constatou-se que mais de 100 nações possuem novas políticas industriais que consideram estratégicas para sua segurança e seu desenvolvimento no longo prazo. Se, por um lado, esses objetivos são uma resposta aos desafios geopolíticos apresentados pela atualidade, por outro podem representar aumentos de custos, ineficiência e mais protecionismo no comércio internacional.

A mudança nas cadeias produtivas não é algo trivial, não é simples, demanda tempo, demanda dinheiro e demora a ser efetivada. Entretanto, a mudança já começou e vai modificar de maneira profunda como as empresas são organizadas, como elas se relacionam entre si e principalmente vai colocar sobre a mesa sempre a questão geopolítica e geoeconômica, como riscos e vantagens que entrarão nas contas de qualquer atividade empresarial. A lição que vamos retirar disso tudo é que esses novos custos que levam em consideração mais do que a pura eficiência devem recair sobre os pagadores de impostos, as empresas e os consumidores. Por seu lado, seus benefícios devem ser reconhecidos no longo prazo, tornando a economia mundial mais resistente e protegida contra futuros choques neste momento em que as mudanças climáticas e as disputas geopolíticas estão crescendo rapidamente tanto em frequência quanto em intensidade.

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