ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
A inflação nos Estados Unidos está, neste momento, perto de 10% ao ano, número de país latino-americano. O euro caiu e o rublo subiu, a Bovespa derreteu, a guerra da Ucrânia, que deveria durar semanas, já está no seu quinto mês e não dá o menor sinal de que esteja perto do fim. Entre 100 e 200 soldados ucranianos morrem por dia. No lado russo, 25 mil soldados já sucumbiram, segundo os ingleses. O presidente Bolsonaro desconhece que os países europeus e os Estados Unidos elegeram Vladimir Putin como o inimigo a ser vencido e decide comprar óleo diesel dos russos, o que prejudica o esforço de guerra na Europa e entrega recursos ao inimigo.
As sanções econômicas aplicadas contra a Rússia, contraditoriamente, estão punindo europeus e os próprios norte-americanos. Nunca o preço do combustível foi tão elevado no país do norte. Uma forte recessão econômica está se armando no horizonte e deve se abater por todo o ocidente. As coisas estão fora do lugar. O presidente dos Estados Unidos viaja para a Arábia Saudita com objetivo de solicitar ao príncipe que aumente a produção de petróleo. Isso significa jogar mais produto no mercado e, por consequência, baixar o preço. Biden, na verdade, pede ao dono do reino mais poderoso do planeta que reduza seus lucros. Ele tem autoridade para agir assim porque as forças armadas dos Estados Unidos têm bases militares no país. É a segurança do país.
Nos anos 1940, o então presidente Getúlio Vargas oscilou entre apoiar os países aliados ou os do eixo Alemanha, Japão, Itália. Os três países já eram representados dentro do Brasil por enormes colônias de migrantes. Todas elas mantinham, intactas, o idioma e a cultura de sua origem. Declarar guerra ao Eixo não era fácil, mesmo porque os alemães estavam enviando equipamento bélico em grandes quantidades para o Brasil e tinham forte apoio político dos generais Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro. Na posição contrária, estava o habilíssimo embaixador Oswaldo Aranha.
Vargas declarou guerra aos países do Eixo em janeiro de 1942 depois de balançar de um lado para outro. Conseguiu obter garantia de investimentos norte-americanos no Brasil, entre eles a siderúrgica de Volta Redonda, com tecnologia da US Steel, norte-americana. Mas teve que ceder a base de Parnamirim, próxima a Natal, e a ilha de Fernando de Noronha para as forças armadas norte-americanas. Havia lógica naquela loucura dos tempos de guerra na Europa. O exército nazista já tinha engolido Kiev, Ucrânia. No contra-ataque foi expulso pelas tropas de Zukov, o general soviético. Agora aquele território recebeu a invasão dos soldados de Putin. Tudo passa pela Ucrânia. E gera consequências em todo o mundo, inclusive aqui.
O Brasil experimentou essas fases em busca de alcançar bom lugar entre os países desenvolvidos. Bolsonaro está brincando com política internacional. Tudo tem preço. Não há amizades entre países, apenas interesses. Mas nos últimos tempos, políticos, parlamentares e dirigentes teimam em fazer o país retroagir. Imitar os norte-americanos naquilo que eles têm de pior, que é a paixão pelas armas. Implantar a cultura do ódio, derivada do racismo estrutural, e readmitir práticas parlamentares que, muito recentemente, foram identificadas e devidamente punidas. As eleições estão seriamente ameaçadas pelo despautério de uns poucos que preferem dar tiros a proteger as leis que regem a democracia.
Orçamento secreto significa que os parlamentares usurparam do presidente da República a possibilidade de ter um programa de governo razoavelmente exequível. Ocorreu um carnaval de verbas que foram destinadas aos milhões para proveito pessoal e político. O presidente limita-se a fazer campanha, sempre com recurso à radicalização. E os parlamentares docemente constrangidos votaram até a favor de um esdrúxulo estado de emergência. Os militares querem fazer a contagem de votos na eleição. Não confiam nas urnas eletrônicas. O desastre da administração militar na Saúde indica o que seria experiência semelhante na apuração eleitoral.
Os parlamentares talvez não tenham percebido que, com base neste mesmo estado de emergência que eles aprovaram, o presidente da República pode fechar o Congresso, cassar mandatos e acabar com a frágil democracia brasileira. São tempos muito estranhos. As decisões recentes adotadas no Congresso não homenageiam a inteligência de seus idealizadores. As bases do golpe foram lançadas. Tudo tem preço. E as revoluções costumam engolir seus líderes.