Cerrado
Com profunda tristeza, li o editorial do Correio (16/7), com o título em epígrafe. Acabar com o cerrado é o mesmo que os matarmos a nós mesmos, nossas famílias e a nossa sociedade humana e, por extensão, o reino animal como um todo. O ser humano enlouqueceu. Perdeu a conexão com a sua mãe maior: a natureza universal. Elegeu como seu Deus o dinheiro. Tenho levado esse protesto e tentativa de conscientização nas exposições fotográficas e poéticas, nas expedições, palestras e artigos sobre esse tema, mostrando, ao mesmo tempo, com imagens e poesias, a beleza singular do que estamos destruindo inconsequentemente e o pavor dos incêndios e dos desmatamentos. Assim, fiz o poema O cerrado e a água:
Planeta Terra, planeta-água. O rio nos mares deságua qual veia aberta na terra segredos do tempo encerra.
Água, essência da vida, fluido que ameniza a ferida, circulante na seiva vegetal, pulsante no sangue animal.
A água pura é preciosa, uma senhora prestimosa que limpa e purifica o mal, o dissolvente universal. Na face da humanidade são gotas de dignidade, na transpiração do labor, lágrimas de riso ou de dor.
A lua, as marés comandando, o sexo feminino moldando; a mulher é ser multiforme, o sentimento é liquidiforme.
O líquido seminal, no ato de amor ancestral, gera instinto maternal que supre o leite vital.
Cerrado, berço das nascentes, divididas em várias vertentes, encontro das águas emendadas, síntese de obras sagradas.
Não é possível a aceitação da continuada agressão: a destruição dos mananciais aumenta cada vez mais.
Águas apressadas, ao amanhã endereçadas, maculadas no presente em ação inconsequente, resulta em desesperança, o equilíbrio do orbe balança, torna a natureza um deserto, destino líquido e certo.
Humberto Pellizzaro,Asa Norte
Caos na saúde
Após trabalhar por 40 anos no serviço público e aposentar-me, como milhões de brasileiros, eis que tenho meus direitos ceifados. A saúde pública no Distrito Federal está um caos. Outras áreas capengam, também. Mas árvore de Natal, viadutos, borra asfáltica para remendar crateras, dá assistência à prefeitura de município piauiense (covid) e usar o passivo do BRB para patrocinar um time de futebol carioca satisfazem o governo local. A população do DF vem sofrendo na pele com a falta de remédios de uso contínuo nos postos de saúde além da falta de leitos, utilitários e pessoal nos hospitais. Particularmente, entendo que contribuí para meu país e para nossa Brasília, pagando impostos por toda minha vida funcional, para que um dia tivesse meus direitos respeitados. Não é isso que o GDF quer. Quer é fazer obras, principalmente, num ano eleitoral. O Ministério Público deveria agir, no rigor da lei, para que o Executivo local cumpra com o seu dever e coloque à disposição da população, em especial, a mais carente, remédios como Diamicron, ASS, Glifage e outros medicamentos.
José Aragão Monte Aragão,
Sobradinho
Lenda da inocência
Uma das crenças mais resistentes do pensamento que imagina a si próprio como o mais moderno, democrático e popular do Brasil é a lenda da inocência dos criminosos pobres. Por essa maneira de ver as coisas, um crime não é um crime se o autor nasceu no lado errado da vida, cresceu dentro da miséria e não conheceu os suportes básicos de uma família regular, de uma escola capaz de tirá-lo da ignorância e do convívio com gente de bem. De acordo com as fábulas sociais atualmente em vigência, pessoas assim não tiveram oportunidade de ser cidadãos decentes, e por isso ficam dispensadas de ser cidadãos decentes. Ninguém as ajudou, ninguém lhes deu o que faltou em sua vida. Na verdade, segundo a teoria socialmente virtuosa, não existem criminosos neste país quando se trata de roubo, latrocínio, sequestro, corrupção e outras ações de violência extrema, a menos que tenham sido cometidos por cidadãos com patrimônio e renda superiores a determinado nível de uma elite abastada. E de quem seria, nos demais casos, a responsabilidade? Essa é fácil: "a culpa é da sociedade". Um crime não deixa de ser crime pelo fato de ser cometido por uma pessoa pobre, da mesma forma que ser pobre, apenas, não significa ser honesto. Em nosso pensamento penalmente correto, a ideia de que as culpas são sobretudo uma questão de classe é verdade científica, tão indiscutível quanto a existência do ângulo reto. Por esse tipo de ciência, um homicídio não é "matar alguém", como diz o Código Penal Brasileiro. Para tanto, é preciso que o matador pertença pelo menos à classe média. Daí para baixo, o assassinato de um ser humano é apenas um "fenômeno social". Talvez esteja na hora de pensar que existe alguma coisa profundamente errada com a paixão pela tese de que desigualdade social é a grande culpada pela criminalidade no Brasil.
Renato Mendes Prestes, Águas Claras