A intolerância política e ideológica chegou ao patamar da barbárie, a menos de três meses das eleições gerais de outubro: o assassinato do guarda municipal de Foz do Iguaçu (PR) Marcelo Arruda, tesoureiro do PT no município, pelo agente penal federal José Jorge da Rocha Guaranho, apoiador do presidente Bolsonaro. A vítima foi morta na comemoração do seu aniversário de 50 anos, no sábado, diante da mulher e de amigos.
O agressor avisou o que iria fazer e voltou ao local do evento para cumprir a ameaça. Atirou contra Marcelo Arruda que, mesmo ferido, disparou contra o bolsonarista. Mas o guarda municipal não resistiu ao ferimento e foi óbito. O atirador, atingido por três disparos, está internado em estado grave, segundo boletim médico divulgado na tarde de ontem pelo Hospital Municipal de Foz do Iguaçu. Duas famílias infelicitadas pela violência descabida, por um "extremismo ridículo", segundo a viúva de Marcelo Arruda, Pâmela Suelen Silva.
Nos últimos quatro anos, o país está dividido por um discurso de ódio. O exercício da política deixou de ser um embate entre as diferentes visões de mundo, de projetos e programas de Estado. O espaço se tornou uma arena em que a ideia de aniquilação do adversário orienta os movimentos dos gladiadores.
As agressões começaram na corrida eleitoral de 2018. Em 3 de setembro daquele ano, o então candidato Jair Bolsonaro, em comício no Acre, incitou seus apoiadores: "Vamos metralhar a petralhada", referindo-se ao seu maior adversário, o Partido dos Trabalhadores. Registre-se que, poucos dias depois, Bolsonaro foi vítima de uma facada, quando fazia campanha em Juiz de Fora (MG). Ao chegar ao Palácio do Planalto, ele manteve o mesmo tom dos discursos da campanha, em relação à oposição. Passou a rotular como inimigo qualquer um que discordasse da sua forma de agir ou de seus atos como chefe do Executivo.
Aficcionado por armas, Bolsonaro vem cumprindo, ao longo dos últimos anos, a promessa de rasgar o Estatuto do Desarmamento (10.826, de 22/12/2003), feita durante a campanha eleitoral. O número de brasileiros com licença para armas de fogo aumentou 474%, desde a sua posse. Em 2018, havia 117,4 mil registros ativos de Concessão de Certificado de Registro para pessoa física para realizar atividades de Colecionamento de armas de fogo, Tiro Desportivo e Caça (CAC). Até o mês passado, o número chegou a 674 mil, o maior da série histórica iniciada em 2005. "Eu pretendo, havendo uma reeleição aí, o ano que vem chegar a 1 milhão de CACs no Brasil", afirmou o presidente durante sua transmissão ao vivo nas redes sociais.
O assassinato do guarda municipal sinaliza que a corrida eleitoral poderá ser uma das mais violentas desde a redemocratização do país, em 1985. Os comícios de adversários do governo têm sido alvos de bombas de fezes, lançadas de drones ou por pessoas infiltradas. Quem pode garantir que, amanhã, não serão metralhados?
As reações dos políticos e de outras autoridades são insuficientes para conter a repetição do desatino do fanático José Guaranho. Os extremistas estão espalhados por todo o país. Impedir as ações dos fanáticos violentos é providência que se impõe. Uma vez que o titular do Executivo não conseguiu construir uma política eficaz para conter a criminalidade progressiva neste país, os demais poderes (Legislativo e Judiciário) têm a responsabilidade de impor barreiras ao avanço da brutalidade. A barbárie, a intimidação, o terror deslegitimam quem vence uma disputa, seja ela qual for, principalmente a eleitoral, em um regime democrático.