Pesadelo

Repetia o professor Paulo Roberto Thompson Flores do Ceub: Dormientibus non succurrit jus, ou seja, a "Justiça não socorre aos que dormem". Com isso fica pacificado que somente aqueles insones que apelam diuturnamente para a Justiça possuem alguma possibilidade de serem atendidos. É nesse sentido que observamos, a contra gosto, praticamente todos os envolvidos em caso de corrupção, aqui denominados de colarinho branco, e que foram condenados pela Justiça por suas práticas criminosas contra o erário, recorrerem, seguidamente, aos juízes e tribunais para se livrarem das penalidades que lhes foram impostas num primeiro momento.

Também já não causa surpresa à população e aos cidadãos de bem o fato de a grande maioria destes bem trajados delinquentes da elite política conseguirem, em algum momento, que suas sentenças sejam revistas ou simplesmente empurradas para dia de São Nunca quando serão anuladas em algum decurso de prazo.

De fato, esses personagens, dado à capacidade financeira que passaram a usufruir, nas noites insones em que tramaram suas estripulias, depois que experimentaram as delícias e facilidades do poder, conseguem bancar os caríssimos e estrelados escritórios de advocacia, a maioria deles especializadíssimos em livrar gente poderosa das malhas da Justiça.

Aqui não importa a origem dos honorários fabulosos. Para esses personagens, que sempre tiveram acesso direto ou indireto aos cofres públicos, todo o beneplácito das cortes. Para os demais, a lei conforme está redigida em tintas negras sobre a folha branca. É por conta dessa característica, muito peculiar de nossa Justiça, em que a balança e o equilíbrio das partes há muito emperraram para o lado mais abonado e desperto, que estamos onde estamos, num eterno vir a ser.

Um dia, por certo, estaremos junto ao primeiro mundo no que diz respeito à efetividade e igualdade da justiça. Só que antes temos ainda um longo e tortuoso caminho a percorrer, acabando com esse costume que faz com que uns sejam mais iguais que outros. A antiga Lei de Improbidade Administrativa, (Lei 8.429/92), que antes poderia servir de atalho para acabar com a costumeira bandalheira que se via nos desvios de recursos públicos, deu lugar, no entanto, a uma nova versão, mais amenizada, (Lei 14.230/21), toda ela feita sob medida para servir aqueles que sempre se locupletaram com os recursos públicos.

Improbidade, na gestão pública, virou, no meio político, um palavrão e foi, portanto, banida para sempre. Nessa nova versão, mais ao gosto dos infratores, o que vamos assistindo, inertes e também insones, é a prescrição ou mesmo a descondenação de diversos políticos já julgados, beneficiados pela retroatividade da lei, todos eles de volta ao cenário político, alguns, mais despudorados, disputando o mesmo cargo no qual foram, no passado, apanhados com a mão na botija.

De fato, essa nova versão da Lei de Improbidade Administrativa veio dar o empurrão que faltava para esses tristes personagens, abrindo, mais uma vez a nefasta caixa de Pandora. Aos cidadãos que dormem por não possuírem meios financeiros para bater à porta da Justiça, só resta permanecer dormindo e sonhando que tudo isso não passa de um pesadelo.