Das vantagens do mundo hiperconectado, acredito que a maior delas seja o resgate da memória. Trombar com trechos de entrevistas de pessoas sábias e consistentes, frases boas, cenas inesquecíveis é, neste caminho insano e aparentemente controlados por robôs, talvez o melhor das redes sociais. Alguns posts poderiam vir com uma tarja de bula de remédio com a inscrição: "contém sabedoria".
Fernanda Montenegro, atriz suprema e imortal da Academia Brasileira de Letras, aparece com frequência na minha timeline, em tantas citações e referências que as pessoas não cansam de postar e repostar — ainda bem. Atraio para mim a sabedoria da geração 90 . Eles têm muito a ensinar. Trechos de suas entrevistas em qualquer tempo são atuais demais, lúcidos demais, sábios demais.
Com sua simplicidade, sem qualquer pieguice nem ambição de ser uma pensadora do nosso tempo, Fernanda me emociona com a verdade da vida, dos fatos e das coisas. Como quando disse algo assim a Pedro Bial: "Pode dar uma grande merda. E a gente tem que saber sair da merda...". Nem tirada de contexto, a frase perde seu brilho, porque afinal é essa a sabedoria da vida.
Saber sair da merda não é para qualquer um. É para os sobreviventes, os resistentes, na verdade, os viventes. Nessa imensa aldeia global, que no momento fede à latrina, buscar o ar puro em qualquer circunstância é uma forma de sair do esgoto e encontrar a beleza de estar vivo. Crianças, com sua inocência, e os mais velhos, com sua sabedoria, são o ar puro, livre das toxinas de um mundo que perdeu o rumo em algum ponto da jornada.
Tenho incríveis conversas com a fotógrafa Clóris Oliveira, tia dos meus filhos, também da geração 90 , e com ela mergulho naquele estado de consciência que só os mais velhos têm. É sobre o real valor das coisas, sobre as derrotas que não existem (porque nos levam a caminhos melhores) e as vitórias que só parecem ser (porque são efêmeras como o poder).
Ah... Se alguns soubessem o que lhes esperam! Não é o nada, afinal? Não vamos todos para aquele tempo-espaço que vira só memória para os outros? E que memória queremos construir para deixar como legado? Como diria Darcy Ribeiro, numa memória linda e nada efêmera: "Não queria estar no lugar de quem me venceu".
Nunca me dei por vencida porque hoje tenho o privilégio de entender o que é verdadeiramente uma vitória. Meu cajado, o que me apoia no chão e na terra, é o amor à minha família, aos meus amigos, ao jornalismo. Minha vocação é essa. O resto é aprender a enfrentar as inevitáveis merdas sem perder a dignidade e o humor.