A violência sexual no Brasil vitima, na imensa maioria das vezes, crianças e adolescentes. Os agressores são pessoas conhecidas e da confiança deles, em geral, parentes; e os abusos ocorrem, principalmente, no ambiente doméstico. Os recortes constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na semana passada, e vão ao encontro de todos os outros levantamentos sobre essa barbárie nacional.
Os números dão um vislumbre da perversidade. Em 2021, houve registro de 66.020 estupros no país. Em 75,5% dos casos, o crime foi cometido contra vulneráveis. Desses, 61,3% tinham até 13 anos. Os principais alvos estão justamente na faixa etária entre 10 e 13 anos (31,7%), seguidos por crianças de 5 a 9 anos (19,1%) e de 0 a 4 anos (10,5%). Em 79,6% dos registros, os algozes eram conhecidos das vítimas. Os dados correspondem apenas às denúncias feitas em delegacias, ou seja, a atrocidade tem proporções muito maiores.
Os abusos sexuais contra crianças e adolescentes independem de classe social, nível de escolaridade ou religião. E as consequências são profundas na saúde física e mental e no desenvolvimento deles. Os impactos prosseguem na vida adulta. O documento lista alguns, já enfatizados neste espaço em outras oportunidades: transtorno de estresse pós-traumático (TEPT); depressão; ansiedade; transtornos alimentares; distúrbios sexuais e do humor; maior tendência ao uso ou abuso de álcool, drogas e outras substâncias; comprometimento da satisfação com a vida, com o corpo, com a atividade sexual e com relacionamentos interpessoais; e risco de suicídio. O horror completo.
O Anuário também ressalta a urgência de se romper "a cultura do silêncio e da vergonha, que acaba culpabilizando ainda mais a vítima, individualizando um problema que é social e retirando do Estado o dever de tornar esse um problema prioritário para o poder público".
Manter crianças e adolescentes a salvo de todos os tipos de violência é um dever da família, da sociedade e do Estado, determinado pela Constituição, em seu artigo 227. O poder público, porém, é o primeiro omisso. Por isso, meninos e meninas, mesmo formando a camada mais vulnerável da população, continuam sendo alvos fáceis e indefesos de predadores sexuais.