Armas não combinam com Deus. Violência não define "homens de bem". Escorado na falácia de que "armas não matam, mas pessoas, sim", o presidente Jair Bolsonaro estimulou a venda de armamentos no Brasil, sob pretexto de garantir a segurança da família. Somente nos três primeiros anos de governo, mais de 450 mil novas armas foram registradas.
Em 2021, pelo menos 204 mil artefatos tinham sido licenciados — um aumento de 300% em relação às 51 mil armas registradas em 2018. O próprio Bolsonaro, em 27 de agosto de 2021, soltou mais uma de suas "pérolas". "Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Daí tem um idiota que diz 'Ah, tem que comprar feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar", afirmou.
Não consigo dimensionar o desastre que representa um revólver ou uma pistola nas mãos de cidadãos sem treinamento militar. Imaginem, então, um fuzil. Um cenário hipotético no qual brasileiros carregam seus AK-47 ou seus AR-15 pelas ruas chega a ser medonho. Armar a população é conceder uma licença para tragédias. Nos Estados Unidos, os tiroteios em massa tornam-se cada vez mais frequentes.
Os atiradores se sustentam na Segunda Emenda da Constituição, que ampara o direito à autodefesa, para terem acesso às armas e cometerem as mais inomináveis barbáries. Indiretamente, se beneficiam do poderoso lobby — e da injeção de bilhões de dólares em campanhas políticas — da Associação Nacional do Rifle (NRA). Também de discursos ultraconservadores de demagogos como Donald Trump, quase transformado em ídolo ou mentor pelo chefe de Estado brasileiro.
Não, presidente. Ninguém deveria utilizar um fuzil, à exceção da polícia e das Forças Armadas. Ninguém deveria falar tanto em Deus e defender com tanta paixão o armamento da população. Ainda mais quando essa mesma população morre à míngua, de fome, de desespero e de desesperança. Sim, sou mais um idiota, então, que acredita que o brasileiro precisa, sim, comprar feijão e ignorar os fuzis. Armas matam, exatamente por haver pessoas desprovidas de preparo psicológico e de treinamento militar as manuseando.
Em vez de se transformar em mensageiro do apocalipse e de contribuir com a desgraça de tantas famílias, melhor seria buscar coerência na menção a Deus e pregar a paz. Não queremos chorar mortos, não nos interessa competir com os EUA na disputa sobre quem terá tiroteios em massa mais trágicos e macabros. Nem estampar os noticiários com o sangue de crianças ceifadas pelas balas. Que Deus é esse que adora e licencia o uso de armas?