ANDRÉ PASSOS CORDEIRO - Diretor de Relações Institucionais da Abiquim
Este é o Brasil da década de 2050: quarta maior indústria química global, líder mundial em química de renováveis e biocombustíveis, gerador de soluções sustentáveis para todas as cadeias de produção. Nossa economia é circular — o que significa que resíduos se tornaram insumos — , nossas emissões de gases de efeito estufa estão zeradas e somos capazes de gerar energia limpa em abundância. Somos finalmente um país sem fome, com um sistema de saúde eficiente e acessível, com água limpa abundante e florestas preservadas. Temos uma infraestrutura de educação, ciência e tecnologia pujante e nos tornamos um país rico. De geradores de 2% da riqueza mundial passamos para 15%. Mas como chegamos aqui? Sabemos que, no início dos anos 2020, veio a pandemia da covid-19, que causou rupturas temporárias nas cadeias de suprimento global e impactou de forma diferente setores diferentes da economia. Em seguida, a invasão russa na Ucrânia afetou o comércio global de gás e fertilizantes e fez governos repensarem suas estratégias de nação.
Felizmente, os governos brasileiros na década de 2020 agiram rápido. Em primeiro lugar, foram capazes de compreender a necessidade estratégica de uma nação crescer baseada em uma indústria forte. Fez-se a reforma tributária seguida de um processo de abertura econômica que reduziu gradativamente alíquotas de importação, ao mesmo tempo em que criava condições de competitividade em questões estruturais: logística, energia e matéria-prima. Combateu as práticas desleais que o país sofria, como o dumping, que chegou a níveis inéditos naquela década, encaixando o país no trilho das melhores práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É preciso lembrar que, naquela época, o custo de energia, matéria-prima e tributos no Brasil era significativamente maior do que nos Estados Unidos, na Alemanha, na China e outros competidores.
Cabe reforçar que uma indústria forte requer na base um sistema educacional impecável, da pré-escola à pós-graduação. Com condições de competitividade, a indústria química passou a atender em maior volume a demanda interna por insumos de todos os segmentos industriais. Houve um crescimento na geração de empregos qualificados, e os níveis de ociosidade da fábrica caíram de 30% em média para 5%. Os reflexos foram percebidos no PIB, que voltou a crescer — e a níveis satisfatórios.
Paralelamente à criação de competitividade, governo, iniciativa privada e sociedade civil, embasados pela ciência, compreenderam a necessidade de — assim como os principais países do hemisfério norte — criar condições para a disseminação de tecnologias mais sustentáveis, desenvolvidas no Brasil ou no exterior. Isso foi feito tanto na forma da indução de investimentos, quanto na criação de arcabouços legais modernos e eficientes para a regulação de substâncias químicas e para o mercado de carbono.
Na década de 2020, a indústria química instalada no Brasil já possuía excelentes vantagens na questão da sustentabilidade, como uma matriz energética limpa e a tecnologia de bioplásticos e biocombustíveis. Já operávamos biorrefinarias, começávamos a produzir hidrogênio verde e havia muita pesquisa na área de captura, estocagem e uso de carbono. Já conseguíamos reciclar quimicamente alguns plásticos, sobretudo aqueles de uso descartável com estações descentralizadas de pirólise, e iniciávamos a caminhada para a economia circular. As condições criadas para facilitar o investimento nas tecnologias que a sociedade demandava rapidamente surtiram efeito. Produtos brasileiros deixaram de ser barrados nos exigentes mercados importadores com benefícios refletidos em setores como o agronegócio, o têxtil e tantos outros exportadores.
A vida, tanto em nossas cidades quanto no campo, ficou mais limpa, rica e saudável. Criamos uma rede descentralizada de reciclagem mecânica e química, baseada na ciência, apropriada para os diferentes perfis de resíduos gerados em cada região, que gera riqueza desde a coleta ao retorno do insumo à cadeia produtiva. Desenvolvemos tecnologia para fazer isso com plástico, o lixo eletrônico, restos orgânicos e de alimentos, tudo. Aprendemos a capturar todo o CO² emitido tanto por fontes estacionárias quanto móveis, quanto aquele disperso na atmosfera. Fizemos o ESG made in Brazil.
Olhando para trás, não foi difícil. A resposta dada pela ciência e a indústria química aos desafios impostos pela pandemia e a guerra já mostrava o avançado estágio em que estávamos em 2022. Foi preciso, porém, muita vontade política de todos os atores envolvidos, para perceber que futuro do Brasil rico, verde e saudável exigiria um planejamento de Estado para o desenvolvimento industrial estrategicamente orientado, que deixasse de lado o velho costume brasileiro de empurrar problemas com a barriga sob o calendário dos mandatos presidenciais e legislativos: organizado em missões por temas, institucionalizado sob uma coordenação clara e forte e impulsionador de setores industriais presentes na base de qualquer paradigma tecnológico, essenciais para a segurança na cadeia de suprimentos local e viabilizadores do novo padrão produtivo. Quando essa ideia foi para o centro da agenda política, tudo ficou fácil.