Democracia, como dizia um dos pouquíssimos homens sérios deste país, o filósofo Millôr Fernandes, é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim. No nosso caso particular, esse sistema hoje é um pouco mais complexo e até difícil de ser decifrado. Se classificarmos nossa democracia a partir dos candidatos que agora se apresentam para o pleito de outubro próximo, nosso sistema de democracia, para dizer o mínimo, necessitaria ser revisto ante os olhos da psicanálise ou mesmo da sociologia, tal o grau de desvio da realidade e da decência.
De um modo simples, poderíamos entender nosso atual estágio democrático com base apenas na hipertrofia dos partidos políticos, donos das candidaturas, ou, mais precisamente, com base na direção partidária e na vontade dos caciques. Não seria exagero supor que vivemos um momento em que a nossa democracia pode ser definida como resultado da vontade e dos caprichos dos caciques.
Não se sabe ao certo se por herança da cultura indígena, o fato é que estamos imersos numa espécie de caciquismo urbano, todo ele moldado com base nas mais de trinta legendas ou tribos que parasitam nosso sistema representativo. Nesse ponto é lícito afirmar que as federações partidárias nada mais são do que federações de tribos, todas elas de olho gordo nas benesses do poder.
O que acontece agora com as campanhas, que sequer tiveram início, mostram o tipo e a qualidade de democracia que temos nessa imensa aldeia chamada Brasil. Com todo o respeito que devemos aos índios, que foram desde sempre os verdadeiros donos desta terra, e cuja cultura genuína, por suas características sofisticadas, dista anos-luz da nossa, o que presenciamos na dança ritualística das campanhas de 2022 são arremedos de cultura, a mostrar o quão primitivo e selvagem podem ser os homens urbanos no país.
Nada do que se ouve e fazem em público pode nos remeter ao que seja civilização. Não à toa, foi dito, a respeito desses selvagens engravatados, que temos o melhor conjunto de políticos que o dinheiro pode comprar. Melhor conjunto em tudo o que há de ruim e malconformado.
Se a qualidade da democracia pouco importa, isso é outra cousa. O importante é a questão que compara a democracia diretamente aos seus representantes eleitos. Fosse um personagem de carne e osso, que se visse diante de um espelho, a democracia brasileira não acreditaria no que estaria vendo. Difícil é saber o que fazer com esses zumbis que, um dia, sim, e outro também, surgem nas manchetes dos jornais, dizendo o que não são e o que não farão. O que ocorre agora com a candidata Simone Tebet (MDB) é apenas um fragmento colhido entre outros milhares de exemplos que todo dia mostram a selvageria de uma disputa, capaz de impor humilhação pública não apenas à indicada oficialmente pela legenda, mas, indiretamente, a todas as mulheres do país.
A verdade é que esta e outras campanhas passadas mostram bem o que somos em essência e como o mundo nos vê de longe. Sobre nossa democracia, poderíamos confessar para nós mesmos e em silêncio: que coisinha mal-ajambrada.
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