Em período de férias escolares, quando aumentam as viagens pelas estradas que cortam o país, convém prestar atenção a alertas que saltam de estudos sobre acidentes ocorridos em trechos sob jurisdição da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em todo o Brasil. Mais: é importante reparar que o motorista brasileiro vem sendo obrigado a pagar ainda mais que a pesada contribuição por meio de tributos para viajar com um pouco mais de segurança, em um trânsito conhecido pela violência.
Segundo dados do Painel de Acidentes Rodoviários da Confederação Nacional dos Transportes, nos últimos 15 anos (2007/2021), morreram nas rodovias federais patrulhadas pela PRF mais de 100 mil brasileiros. Em números exatos, foram 104.756 vidas perdidas em desastres no período, com a impressionante média de 6.983 óbitos a cada 12 meses.
O prejuízo financeiro dessa tragédia nacional, estimado no mesmo estudo, foi de R$ 12,19 bilhões só no ano passado. É muito, especialmente considerando que o país destinou menos da metade desse montante a investimentos para melhorar rodovias que, mais do que verbas, custam tanto sangue. A CNT aponta que o valor total efetivamente aplicado na malha rodoviária federal brasileira em 2021 foi de R$ 5,76 bilhões.
Essa comparação chama a atenção para os dados de outro estudo, conduzido pela Fundação Dom Cabral e divulgado no início do mês. O trabalho analisou acidentes ocorridos entre 2018 e 2021 nas mesmas rodovias patrulhadas pela PRF, confrontando estatísticas de trechos concedidos à iniciativa privada ou sob gestão pública. E demonstrou que é, incrivelmente, mais perigoso trafegar em estradas sob controle e responsabilidade do poder público.
O estudo, que lançou mão de fórmulas para comparar proporcionalmente os dados de acidentes, reduzindo a influência da diferença de volume de tráfego entre as rodovias avaliadas, indica que o risco de desastres em estradas sob administração estatal é quatro vezes maior em relação àquelas geridas pelas concessionárias privadas.
De acordo com os resultados, proporcionalmente a taxa de acidentes é de 79,7% nos trechos sob gestão pública, contra 20,3% nos percursos delegados à iniciativa privada. Quando se trata da gravidade dos desastres, a conclusão é parecida. A chamada taxa de severidade de desastres em estradas sob administração do poder público chega a 80,4%, de acordo com o estudo da Fundação Dom Cabral, contra 19,6% nas rodovias concedidas.
O trabalho permite várias considerações. A mais imediata, destacada pelos autores, é que os investimentos em segurança viária feitos nas rodovias sob administração particular são bem superiores àqueles executados nas sob gestão pública. O que leva à outra conclusão, com a qual concordam tanto o trabalho feito pela Fundação Dom Cabral quanto o levantamento da Confederação Nacional dos Transportes: a tragédia que se desenrola nas estradas brasileiras clama por soluções de financiamento.
O que o estudo sobre as diferenças de acidentes entre rodovias públicas e privatizadas não diz, mas permite inferir, é que o motorista brasileiro precisa pagar mais para correr menos risco. Como se não bastasse suportar uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo, é preciso se render aos pedágios, que são sinônimo de rodovias concedidas, caso se queira viajar por pistas um pouco mais conservadas — mesmo que não sejam nenhum primor de estrutura, como testemunham usuários de algumas das BRs pedagiadas Brasil afora.
Um indicativo de que simplesmente privatizar o restante da malha rodoviária federal, como podem sugerir apressadamente alguns, pode não ser a melhor solução. Nem a mais barata, especialmente do ponto de vista do cidadão que paga tanto impostos quanto pedágios.
Usuários da malha rodoviária brasileira gostam de pensar em um cenário em que a gestão pública de recursos para rodovias seja tão eficiente quanto responsável; em que impostos sejam menos injetados na máquina pública e mais em máquinas trabalhando em obras de infraestrutura; e em um quadro no qual, apontada a privatização como melhor saída para determinada estrada, as concessionárias sejam efetivamente obrigadas a prestar um serviço de conservação, sinalização e ampliação condizente com os preços que cobram e com o tanto que arrecadam. Não parece pedir demais.
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