RODRIGO SPADA - Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais)
GERALDO DATAS - Auditor fiscal da Receita Estadual de Minas Gerais, mestre em direito empresarial, presidente do Conselho de Contribuintes do Estado de MG e coordenador do GT-Contencioso Administrativo Tributário do Comsefaz
Mudanças em procedimentos operacionais do Estado costumam ocorrer sem muito envolvimento da opinião pública. É compreensível: os processos são complexos e na maioria das vezes parecem circunscritos a quem lida com eles no cotidiano da atuação profissional. Entretanto, depois de implementadas, as alterações impactam a atuação finalística das instâncias públicas e, consequentemente, afetam a vida dos cidadãos. Há um processo desses em curso: a revogação do voto de qualidade nos tribunais administrativos tributários.
O voto de qualidade é instrumento para desempate em votações nesses tribunais, que têm composição paritária. Quem tem direito a esse voto é o presidente do colegiado, que pode ser representante da Fazenda Pública ou do setor privado. Essa configuração começou a mudar após o STF decidir ser constitucional a MP 899/2019, que acabou com o voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais, do governo federal, e definiu que, em caso de empate, a decisão é automaticamente pró-contribuinte. Agora, estados que adotam esse formato estão sendo pressionados a reverem seus processos.
Outra ameaça ao voto de qualidade é o texto atual do PLP 17/2022, que tramita na Câmara dos Deputados. A proposta atualmente acaba com esse instituto, mas entidades representativas do Fisco têm trabalhado para mudar isso e usar o projeto como instrumento de garantia do voto de qualidade.
Em Minas Gerais, no Conselho de Contribuintes (CCMG), assim como em São Paulo, no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT-SP) entre outros órgãos de julgamento administrativo de estados e municípios há câmaras ou turmas de composição paritária, nas quais o voto de desempate é do presidente, que pode ser da administração ou do setor privado, alternadamente. Assim, as decisões de desempate nem sequer são tomadas sempre pela administração tributária. No estado de São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já tem um voto favorável à inconstitucionalidade do voto de qualidade no TIT. É uma decisão que desconsidera três pontos relevantes.
No caso de São Paulo, apesar do nome "Tribunal", o TIT é uma esfera administrativa do governo de São Paulo — assim como é também nos demais estados e municípios —, suas decisões decorrem do princípio da autotutela dos atos administrativos, onde a administração pode rever os seus atos. Assim, para que não haja casos em que a decisão final seja distinta da interpretação da própria administração, é fundamental a manutenção do voto de qualidade.
Outro ponto fundamental nesse debate é que, após decisões desses tribunais, o contribuinte que se sinta lesado pode ainda recorrer ao Judiciário; já a Fazenda não pode fazer o mesmo. O voto de qualidade é, portanto, a última instância para a defesa dos interesses da administração em casos em que o tribunal não consegue formar maioria. Por fim, já está previsto no Código Tributário Nacional que, em caso de dúvida quanto à capitulação legal, à natureza, às circunstâncias, à autoria, entre outros, interpreta-se da maneira mais favorável ao contribuinte.
Aqui, mais uma vez, é importante desconstruir uma oposição que se tenta forjar entre Fisco e sociedade. Essa visão deturpa o papel das Administrações Tributárias e desconsidera a função social dos tributos. É, nesse sentido, que a alteração do procedimento nas votações dos tribunais administrativos pode impactar diretamente os cidadãos. Porque, ao tirar poder da administração, corre-se o risco de impedir o ingresso de receitas que seriam usadas na prestação de serviços públicos de saúde, educação, segurança, infraestrutura, entre outros, dos quais os beneficiários são os cidadãos.
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