Opinião

Artigo: Brasil de transes e vertigens

Jéssica Eufrásio
postado em 11/07/2022 06:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Autônoma, Tina se afastou da carreira que começava a trilhar para cuidar da filha bebê, pois não tinha com quem deixar a criança. Diarista, Lana trabalha de segunda-feira a sábado e, fora do expediente, quase todo o tempo de que dispõe fica para a realização de mais tarefas domésticas, além dos cuidados com a família. Funcionário de um mercado, Lucas passa quase duas horas do dia em ônibus lotados, atrasados e danificados para fazer o trajeto de casa para o trabalho e vice-versa.

Os relatos dizem respeito às vidas de três conhecidos, que ganharam nomes fictícios. As histórias deles iniciam este texto porque representam vivências comuns em grande parte do Brasil atual, de jovens e adultos em idade economicamente ativa desiludidos quanto ao futuro, com limitações de acesso à educação superior, dificuldades para conseguir emprego formal, impossibilitados de assegurar um desenvolvimento seguro aos filhos, com ínfimo poder de compra e cada vez menos — ou nenhum — tempo para lazer e atenção à saúde.

Nas parcelas mais vulneráveis, as agruras se acentuam. Entre 2019 e 2021, a quantidade de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave passou de 15,4 milhões, segundo a Organização das Nações Unidas. Enquanto isso, desde o início da pandemia, o total de bilionários no país subiu de 45 para 55, os quais acumulam patrimônio de US$ 176 bilhões, como mostra relatório da Oxfam Brasil.

Ao mesmo tempo em que grupos sociais vivem situações tão discrepantes, uma parcela da população — afetada pela ignorância, pelo mau-caratismo ou por ambos — se mantém voltada para o próprio umbigo, em um espiral delirante. Nessa camada, que atenta contra a democracia e defende o autoritarismo, as prioridades estão longe do combate a problemas socioeconômicos. Elas se concentram em uma pretensa defesa da vida enquanto preveem mais flexibilizações para acesso a armas e não compreendem medidas contra o desamparo do Estado aos menos favorecidos.

No DF, o cenário se evidencia diante de representantes políticos de todo o país. Na edição de ontem, o Correio destacou que a população pobre na capital federal cresceu de 12,9% para 20,8% nos últimos três anos e, atualmente, cerca de 600 mil sobrevivem com até R$ 450 por mês — alguns a poucos quilômetros da Praça dos Três Poderes. Para completar o quadro, a inoperância das Excelências em zelar pelo funcionamento de serviços públicos básicos como saúde, transporte e educação aumenta o peso sobre as classes média e baixa.

Como se não bastasse o indecente contexto que deixou milhões de pessoas na miséria e colocou o país na condição de pária internacional, o Brasil levará anos para se recuperar do trauma. Até lá, diante de potenciais ameaças golpistas, será necessário seguir o que diz a canção: estar atento e forte. Mais uma vez.

 

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