Anúncio vindo do setor agrícola dá conta que neste ano o Brasil vai colher a maior safra de trigo de toda a sua história. Esse volume histórico, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ficará superior 17,6% em relação ao registrado no ano passado. Como acontecem nesses anúncios ufanistas, a área plantada desse grão aumentou também em relação a 2021 em mais de 6,5%, o que não é pouca coisa, uma vez que nesse tipo de atividade estamos falando em centenas de milhares de hectares de acréscimo.
Para o mercado interno, particularmente para os consumidores, essa seria uma notícia a ser comemorada com festas, uma vez que, num mundo ideal e num país sério, o crescimento na produção de trigo poderia forçar um decréscimo nos preços dos produtos, sobretudo, do pãozinho, das massas e de outros derivados desse importante cereal.
Como sempre foi ressaltado nesse espaço, o agrobusiness, por suas características peculiares e essencialmente mercantilistas, não produz alimentos, produz, sim, lucros fabulosos para aqueles que empreendem nesse negócio internacionalizado. Não é de hoje que os brasileiros ouvem a ladainha anunciando o aumento da produção de grãos e de proteína, sendo que esses alardes aos quatro ventos jamais foram acompanhados de uma diminuição nos preços dos alimentos. Pelo contrário. O que frequentemente ocorre é um ajuste nos preços da cesta básica, majorando arroz, feijão, carne e outros itens necessários para a sobrevivência do brasileiro médio.
No caso em pauta, é preciso lembrar que a guerra que a Rússia, covardemente impôs à Ucrânia — juntos, os dois países são responsáveis por mais de 30% da produção mundial de trigo —, o que favoreceu o plantio por aqui e até fez os preços subirem como foguete. Não surpreende, pois, que com o anúncio do aumento da produção desse grão, que, forçosamente, se fez com o desmatamento de áreas nativas, com a morte de plantas e animais silvestres, veio também a notícia de que a safra recorde de mais de 9 milhões de toneladas chegará com preços majorados, uma vez que a formação de preços desse produto é feita no mercado internacional. O trigo, assim como outros alimentos, é uma commodity, portanto, precificada em dólar.
É esse o grande negócio e a meta principal do agrobusiness: a obtenção de dólares. A alimentação da população por meio de preços justos e acessíveis não entram nessa equação. A simples menção de que há um hiato estelar entre a atividade e a realidade social do país, com mais de 50 milhões de indivíduos vivendo na pobreza e com o país que voltou ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), é motivo para brigas e todo tipo de ameaças.
Há o agrobusiness e a realidade do país, e ponto. Mesmo com esse volume de produção de trigo, o Brasil ainda terá que importar o produto, pois consome algo em torno de 12 milhões de toneladas por ano. O que os números superavitários desse setor tentam mostrar, e que a realidade interna insiste em desmentir, obrigando inclusive o governo a distribuir bolsas e outros benefícios assistencialistas para a população não morrer de fome, é que realmente vivemos dois brasis: um que sonha com dólar, e outro que sonha com feijão.
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