contrabando

Artigo: Cigarro ilegal, um problema econômico e social

Correio Braziliense
postado em 05/07/2022 06:00
 (crédito: pacifico)
(crédito: pacifico)

EDSON VISMONA - Presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP)

Você sabe quanto é perdido com o contrabando de cigarros no Brasil? Apenas em 2021, o país deixou de arrecadar R$ 10,2 bilhões em impostos por conta da venda ilegal do produto. A perda acumulada nos últimos 10 anos é de R$ 86 bilhões — esse valor cobre praticamente um ano de pagamentos do Auxílio Brasil para 18 milhões de famílias, programa tão necessário e para o qual o governo busca recursos.

Dados do Instituto Ipec Inteligência mostram que o cigarro ilícito representou 48% do mercado total de cigarros em 2021. Ou seja, quase metade de um segmento inteiro da indústria no Brasil é dominado por um produto ilegal, que não recolhe imposto e que não atende às obrigatórias normas fitossanitárias. É dinheiro sujo que abastece os cofres do crime organizado.

A maior parte é contrabando do Paraguai, que tem imposto de 20% sobre o produto, contra algo entre 70% e 90% no Brasil, a depender do estado. Esse produto entra via fronteira terrestre (rodovias, estradas vicinais) e vias fluviais. Mas, também, temos os manufaturados dentro do Brasil, por fabricantes devedores contumazes, ou seja, estruturam o negócio para nunca pagar impostos. Eles, vejam só, falsificam marcas paraguaias, que lideram o nosso mercado, tamanha é a difusão do contrabando no país. Sem controle, esses produtos ilegais não atendem aos requisitos mínimos em relação aos níveis de nicotina e alcatrão, entre outras substâncias, definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Para agravar o cenário, estudo recente do economista e especialista em economia do crime Pery Shikida apontou que organizações criminosas aliciam menores de idade para atuarem no contrabando de cigarros em cidades brasileiras situadas na fronteira com o Paraguai, como Paraná e Mato Grosso do Sul, resultando em altos índices de evasão escolar e no agravamento dos índices socioeconômicos nessas regiões. Os jovens transportam, armazenam e fazem a segurança da mercadoria ilícita almejando o ganho fácil, segundo a pesquisa. Para o crime, as crianças são lucrativas, uma vez que as penas para o contrabando são baixas ou inexistentes, colocando o futuro desses jovens em risco. Uma total perversão que molesta a nossa juventude de baixa renda.

Muitas partes envolvidas na discussão sobre o combate ao cigarro ilegal defendem que apenas a repressão é suficiente, e que é necessário aumentar ainda mais os impostos aqui no Brasil, entretanto, essa crença é incorreta e injusta com as forças de segurança.

A Receita Federal e as Polícias Rodoviária Federal, federal e estaduais fazem um trabalho dedicado e heroico. Porém, para reduzir o espaço do crime de forma incisiva, é preciso atacar não apenas a oferta, mas também os fatores que fazem com que o preço do cigarro ilícito seja tão baixo e atrativo.

Em um cenário de inflação e de perda de renda, o preço é, ainda mais, o grande diferencial. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2021 em 10,06%, o maior em 6 anos. Segundo dados da Boa Vista, o número de pessoas que atrasaram alguma conta (financiamento bancário, cartão de crédito, contas de consumo) cresceu 5,1% em março, quando comparado a fevereiro, e 9,2% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2021.

É inegável que o aumento de impostos gera um preço maior do produto legal, assim, quem não paga imposto tem uma enorme vantagem competitiva, reduz a participação do legal, amplia seu lucro e eleva a sonegação — isso ocorre com qualquer produto, fácil de entender, não requer profundas análises. No caso dos cigarros, a diferença de valores é gritante — até 65% mais baixo que o produto legal — oferecendo uma enorme vantagem ao ilícito.

Pesquisa da Fecomércio-RJ realizada em dezembro de 2021 aponta que quase 76% dos entrevistados compram produtos ilegais porque são mais baratos; 59,6% entendem que o produto ilegal é mais barato por não pagar impostos e, respeitando os fatos, 79% declaram que, para ampliar a competitividade dos produtos legais, seria necessário reduzir a carga tributária. Mantida a grande diferença de preços, o contrabando não perderá o espaço já conquistado e pode aumentar sua participação.

Cabe lembrar que defender o produto legal significa fortalecer a economia do país com uma maior arrecadação de impostos e geração de empregos. É preciso facilitar a vida de quem paga imposto e dificultar a de quem não paga. As próprias diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) preveem que os impostos, além de terem efeito arrecadatório, podem ser inibidores do consumo, porém, deve sempre ser considerada a incidência do mercado ilegal. Vale citar a experiência do Distrito Federal, que chegou a aumentar a alíquota sobre o cigarro além do ponto de equilíbrio e, ao voltar atrás, em 2017, ampliou a arrecadação.

Essas constatações demonstram que é necessário o reequilíbrio tributário no Brasil para que o consumidor possa optar pelo produto legal, controlado, de venda exclusiva para adultos, que recolha seus impostos e não incentive o crime no Brasil. O tema é complexo e não se resolverá sem que se encare o problema de forma franca, corajosa e transparente, com base em dados reais, afastando o ativismo negacionista. Ignorar a lógica econômica estimula o avanço do contrabando. O preço baixo, resultante do não pagamento de qualquer imposto, incentiva o consumo, especialmente pelos fumantes de baixa renda, essa é a incômoda verdade. Temos que inovar, com o avanço de políticas efetivas de combate ao crime e ao consumo do cigarro ilegal. Esse é o desafio.

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