Orações e louvores no Palácio do Planalto. Culto no Congresso Nacional com a presença da primeira-dama. Marchas para Jesus com a participação do chefe do Executivo. Menções ao nome de Deus e, ao mesmo tempo, às armas. Talvez nunca antes no Brasil a religião e a política tenham se misturado tanto. O caso escabroso envolvendo o estupro de uma menina de 11 anos é um exemplo de como a crença permeada pelo conservadorismo aniquila qualquer traço de razoabilidade.
Coagida pela juíza a "esperar só mais um pouquinho" e a manter a gravidez até o fim, a criança foi violentada duas vezes. Após a garota conseguir o aborto, previsto em lei, o presidente da República tuitou: "Um bebê de sete meses de gestação, não se discute a forma que ele foi gerado, se está amparada ou não pela lei. É inadmissível falar em tirar a vida desse ser indefeso!"
Em nenhum momento, o presidente, que se diz cristão, pensou na integridade física e emocional da menina. Impôs o próprio dogma sobre a razão. Quando muito, deveria ter ficado calado. Declarações desse tipo denotam que a laicidade do Estado não passa de linhas da Constituição. Além do mais, leis existem para serem cumpridas, não para serem ignoradas em nome de uma crença pessoal. Jair Bolsonaro chegou a dizer que, fosse com a filha dele, o bebê seria gerado. Será?
O escândalo envolvendo o Ministério da Educação expôs a relação permissiva e promíscua entre pastores e o governo. Mais uma vez, colocou em xeque a laicidade do Estado. Transformaram o MEC em balcão de negócios. Aceitaram desde exemplares da Bíblia com a foto do então ministro até 1kg de ouro. Tudo acontecendo a poucos metros do Palácio do Planalto.
Quando pastores passam a decidir os rumos das verbas da educação no Brasil, é porque alguma coisa está muito errada. De qualquer forma, todos sabemos que a educação nunca foi prioridade para o atual governo. Quando o discurso religioso se impõe sobre as decisões do Estado, o resultado costuma ser segregação, fanatismo, favorecimentos ilícitos. É preciso que as instituições ativem os mecanismos de freios e contrapesos para salvaguardar a laicidade da nação. Os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo não podem governar com a Bíblia nas mãos, mas com a Constituição Federal, segundo a qual o Estado é secular. Caso contrário, a democracia dará lugar à teocracia, e as crenças pessoais tenderão a contaminar a razão. O Brasil precisa pôr fim às relações suspeitas entre governantes e religiosos. Pelo bem do país e de seus cidadãos.
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