ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia
O Supremo Tribunal Federal (STF), como instituição republicana, tem cumprido um papel absolutamente decisivo na defesa do Estado de direito democrático. Sempre que há alguma tentativa do Poder Executivo ou do Poder Legislativo de atuar fora das quatro linhas apresentando medidas e propostas que ferem a Constituição, lá está o Supremo para impedir.
Nas últimas décadas, não foram poucas as ocasiões em que isso aconteceu, mas a Corte, quando acionada, correspondeu ao que se espera de uma instituição republicana, cujo papel é salvaguardar a Carta Magna. É natural que as decisões do Supremo sobre temas polêmicos na sociedade acabem por contrariar alguns segmentos enquanto agradam a outros tantos. Isso é do jogo. O fundamental é manter o princípio de que qualquer decisão tomada precisa ser respeitada.
É bom ressaltar que, desde a redemocratização, os presidentes eleitos tiveram a oportunidade de fazer diversas indicações que foram submetidas ao Senado, sendo todas elas aprovadas: Collor (4), Itamar (1), FHC (3), Lula (8), Dilma (5), Temer (1) e Bolsonaro (2). Com isso, tivemos várias composições nas 11 cadeiras que compõem seu plenário.
Em 2002, houve uma mudança importante. A partir de agosto daquele ano as sessões passaram a ser transmitidas ao vivo pela TV Justiça. No primeiro momento, tal decisão foi muito bem recebida pela sociedade como um sinal de maior transparência. Porém, hoje há questionamentos, um vez que a maioria dos ministros passou a usufruir de uma visibilidade semelhante à de celebridades. Boa parte dos integrantes adotou um comportamento em que não escondem o apetite quase voraz por holofotes, seja no momento em que proferem longuíssimos votos, seja quando travam debates que muitas vezes se assemelham a uma luta no ringue.
Assim, seria interessante um passo atrás, passando a adotar o modelo da Suprema Corte dos Estados Unidos, em que a sociedade tem conhecimento da decisão tomada pelo colegiado sem a divulgação do voto de cada juiz. Aliás, poderíamos também mudar o título de ministro para juiz no caso brasileiro.
Entretanto, há situações mais graves que precisam ser criticadas firmemente. Na semana passada, a mídia noticiou que Kassio Nunes Marques fez uma viagem ao exterior com as despesas bancadas por um advogado. O tour incluiu a final da Liga dos Campeões, Roland Garros e GP de Mônaco. O custo da viagem foi de, pelo menos, R$ 250 mil. O ministro fez a viagem na companhia de pelo menos um de seus filhos.
A aeronave, de prefixo PR-XXI, é um luxuoso Citation X que tem como sócio o advogado Vinícius Peixoto Gonçalves, que atua em processos em curso no STF e foi denunciado pelo Ministério Público Federal como operador financeiro do ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão. O nome dele apareceu nas investigações sobre pagamentos de propina relacionados às obras da usina nuclear de Angra 3.
Outra situação absolutamente condenável é vermos o ministro Gilmar Mendes ser proprietário de uma instituição educacional, o IDP. Isso, por si só, já soa estranho, mas, por meio do IDP, ele vive a promover eventos em Portugal, em períodos de funcionamento regular do STF. Nessas ocasiões, ele convida lideranças políticas, empresários, parlamentares, advogados e membros do Poder Executivo com a justificativa de serem seminários técnicos para discutir alguma questão relevante. Só que na realidade são verdadeiros convescotes voltados a negociações políticas.
Ora, o que a maioria da sociedade espera de integrantes da mais alta corte do país é que sejam tecnicamente competentes, tenham reputação ilibada e adotem um comportamento de sobriedade em sintonia com o cargo que ocupam e a função que desempenham. Vivemos uma conjuntura em que a extrema direita bolsonarista, sob a liderança do presidente, vem desferindo uma série de ataques ao STF. É evidente que precisamos reafirmar a defesa inconteste da instituição, um dos pilares da República.
O problema é que comportamentos inadequados como os citados acima acabam por jogar lenha na fogueira ateada por quem não tem compromisso com a democracia. Por isso, os verdadeiros democratas devem ser os primeiros a fazer as críticas a esses desvios. Em outras palavras, para defender a instituição não se pode passar pano nos erros, sob pena de vermos crescer o sentimento contrário à instituição.
Na atual composição da Corte, temos um bom exemplo que deveria ser seguido. Refiro-me à ministra Rosa Weber. Discrição, comedimento e temperança são suas marcas. Ah, se todos fossem iguais a ela.
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