ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
De vez em quando, a exemplo dos dias que correm, os brasileiros descobrem a Amazônia. No calor das crises, os principais personagens do governo se apressam a lembrar que aquele vasto território pertence ao Brasil. Os defensores dos povos da floresta desfraldam bandeiras internacionalistas em defesa dos índios. Tem sido assim nas últimas décadas, desde que os governos militares decidiram abrir estradas na região e forçar o avanço de colonos nas terras do norte do Brasil. Bruno Pereira, indigenista, e Dom Phillips, jornalista inglês, são duas novas vítimas da selva, que já produziu aventuras emocionantes com personagens famosos.
Um deles foi Theodore Roosevelt Jr., ex-presidente dos Estados Unidos, que, junto com Cândido Mariano Rondon, embrenhou-se, no início do século 20, na selva a partir de Rondônia à procura do local onde o chamado Rio da Dúvida desemboca no Madeira. Quase morreu. Foi uma aventura cheia de problemas, percalços, acidentes graves e mortes. Outro foi Percy Fawcett que perdeu o rumo, em 1925, no meio do inferno verde e morreu procurando a sua cidade Z, o El Dorado, no nordeste de Mato Grosso. A selva inspira lendas e aventuras.
A Amazônia é o paraíso dos europeus, que transitam pela área desde a descoberta da América. Ingleses, franceses, irlandeses e holandeses andaram pela região. No começo dessa história, em 1599, os holandeses navegaram sem problemas pelo Amazonas e estabeleceram dois fortes no Rio Xingu. Começaram a plantar açúcar e tabaco. Franceses se estabeleceram no Maranhão e depois na Guiana, quando reivindicaram a metade do território do atual Amapá. Os ingleses, sempre com a mão grande, estabeleceram alguns fortes, rio acima, mas a sua principal obra foi contrabandear a matéria-prima da borracha do Brasil para a Malásia. E fazer a produção nacional, no século 20, entrar em processo falimentar.
Hoje é possível ir de Brasília até Lima, no Peru, por estrada asfaltada, passando por uma área ao sul do local onde ocorreu a tragédia atual. Não é aventura viajar por terra, de carro, em estrada asfaltada de Manaus a Caracas. As estradas funcionam bem no norte do país, dentro da região amazônica. A Belém-Brasília precisa ser duplicada em algumas regiões pelo excesso de tráfego. A Cuiabá-Santarém, asfaltada, permite a ligação de Brasília ao baixo Amazonas por estrada de boa qualidade. E a famosa Transamazônica está aberta na sua totalidade com partes asfaltadas, partes em estrada de terra. Mas toda ela carroçável. O comércio avança na região. É difícil admitir que a Amazônia tem vida própria, necessita gerar empregos e que a fronteira anda selva adentro.
O Vale do Javari, que abrange uma área de 85 mil quilômetros quadrados, maior que a Áustria, está a mais de mil quilômetros em linha reta de Manaus. As distâncias são colossais, o verde é interminável, se mistura com o horizonte. Os governos brasileiros nunca assumiram política clara em relação ao enorme território do norte. Nos primeiros tempos da República simplesmente ignorou a região. Tamanho foi o esquecimento que nos anos 1960 ocorreu em Belém um interessante fenômeno: começaram a aparecer na cidade carros norte-americanos, modernos, novíssimos, lá chamados de cotias, porque saíam da floresta. Era contrabando puro e simples. Durou até a indústria automobilística nacional fazer seu produto chegar lá.
O governo brasileiro vive emparedado entre favorecer o desenvolvimento da região ou tentar manter a floresta intocada. É o drama latino-americano. Crescer significa agregar áreas isoladas, entrar na selva, criar cidades, construir indústrias, portos e ferrovias. Destruir para construir. Os norte-americanos resolveram o assunto de maneira muito simples. Adquiriram a Luisiana, avançaram para o oeste, mataram os índios, tomaram o Texas, a Califórnia e alcançaram o Pacífico. Os argentinos exterminaram os patagones e chegaram à Terra do Fogo. No Brasil nunca houve política semelhante. Rondon, ao contrário, criou o Serviço de Proteção do Índio, antecessor da Funai.
Entre um caminho e outro, os governos não fazem nada. O atual governo desestruturou o pouco que havia de presença oficial na região. A ação dos militares não reduziu o desmatamento, nem a criminalidade. Resultado foi que o tráfico de drogas (Peru e Colômbia são grandes produtores de cocaína, inclusive em locais perto da fronteira) e predadores de toda espécie tomaram conta do pedaço. A região continua a ser o paraíso dos estrangeiros, terra sem lei, onde é possível fazer fortuna em pouco tempo, mas o cidadão chega jovem e sai velho. Sobreviver é difícil. São muitos os perigos. A Amazônia cobra seu preço.