Sociedade

Artigo: Quilombismo: uma utopia, política, viável

WALDEMAR MOURA LIMA - Babalóla Dumissai, professor, ex-secretário de Educação de Sapucaí do Sul (RS), criador e liderança da Frente Quilombista Abdias do Nascimento

Nascemos. Quando despertamos para a maturidade, surgem-nos algumas opções políticas, de ideologias diversas, todas, contudo, tendo como pressuposto, vivermos em uma sociedade humanizada, justa, fraterna, uma sociedade idealizada em que sejamos, plenamente, felizes. Primeiro erro: Não existe um regime de convivência social que contemple todos os nossos anseios para alcançarmos a felicidade! Humanos, estamos em constante processo evolutivo, portanto, em busca de algo novo. No caso específico, estamos em busca de um sistema ideal que defina, com equidade, direitos e deveres, e regule interesses e conflitos no cotidiano.

Segundo erro: as ideologias políticas propostas originam-se de um mesmo patamar civilizatório as quais, no transcurso histórico, vão-se transmudando em várias vertentes, contudo, sem perder sua essência, ou seja, a supremacia do visível, do palpável, da matéria, sobre valores incomensuráveis, transcendentais, ligados à espiritualidade humana. Em síntese: dá-se ênfase à supremacia do Ter sobre o Ser.

Então, somos induzidos, pelo sistema constituído, a acreditar que a humanidade teve início no continente europeu, embora esteja cientificamente comprovado que a origem do Homo Sapiens ocorreu no continente africano. Porém, as universidades, no seu transcurso histórico e, ainda hoje, em pleno século 21, insistem em nos fazer crer que o berço da humanidade, o início de todas as ciências com as quais convivemos e de que nos beneficiamos, foi a Grécia. Então, nos permitimos questionar: e o que dizer das milenares civilizações e dos poderosos impérios vigentes outrora no continente africano?

Reporto-me aqui à fala do nosso ganga Abdias do Nascimento que diz textualmente: "Os negros e os oprimidos têm, como projeto coletivo a ereção de uma sociedade fundada na justiça, na liberdade, na igualdade de oportunidades e no respeito a todos os seres humanos; uma sociedade cuja natureza intrínseca torne impossível a exploração econômica e o racismo; uma democracia autêntica, fundada pelos destituídos e deserdados deste país, aos quais não interessa a simples restauração de tipos e formas caducas de instituições políticas, sociais e econômicas as quais serviriam apenas para procrastinar o advento de nossa emancipação total e definitiva, que somente pode vir com a mudança radical das estruturas vigentes.

(...) Enfim, reconstruir no presente, uma sociedade dirigida ao futuro, mas levando em conta o que ainda for útil e positivo no acervo do passado. Um futuro melhor para os negros e oprimidos tanto exige uma nova realidade em termos de pão, moradia, saúde, educação, lazer, trabalho como requer outro clima moral e espiritual de respeito às componentes mais sensíveis da personalidade negra expressa em sua religião, cultura história, costumes e todo seu sistema epistemológico".

A comunidade negra brasileira, portanto, tem um projeto emancipatório de nação, assentado nos valores epistemológicos das nossas matrizes africanas. As palavras, "sankofa" e "ubuntu" sustentam essa nossa afirmativa: "sankofa" é um dos símbolos da nossa resistência heroica ao escravagismo. Ela nos conclama a voltarmos ao passado e, criteriosamente, analisá-lo. Assim, conheceremos a verdade dos fatos históricos. Daí, não cometeremos os mesmos erros que nos levaram à sujeição ao sistema constituído; então, entenderemos, com profundidade, a conjuntura em que nos encontramos e, assim, poderemos projetar, coletivamente, um futuro digno, justo para todos os excluídos do sistema, deles, racistas predadores, fascistas, homofóbicos, corruptos. Sistema criado por eles, para manutenção de todas as injustiças e mazelas sociais as quais, como consequência, darão sustentação, para sempre, aos privilégios deles.

Já "ubuntu" é uma ideologia que se baseia na solidariedade e na supremacia do coletivo sobre o individual. Essa palavra expressa o sentimento maior do amor fraternal cujo sentido é: "Eu sou porque você é! Você é porque eu sou. Então somos. Sua felicidade é minha felicidade. Sua dor, seu sofrimento são minha dor, meu sofrimento".

Negros, negras, povo cinza em geral, estamos em outra era. Sopram ventos libertários os quais, nos levarão à real alforria desse sistema caótico, sistema inconcluso, preso a conceitos e preconceitos colonialistas, herdados e mantidos pelos atuais donos da Casa Grande e Senzala que, persistem, em pleno século 21, que se arvoram em nos manter sob jugo, presos aos ditames dos seus caprichos. Chega! Bebamos nas nossas fontes libertárias e nos libertemos.

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