ORLANDO THOMÉ CORDEIRO — Consultor em estratégia
Trinta e três milhões e 100 mil pessoas estão passando fome. Essa informação faz parte do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil realizado pela Rede Penssan e cujos resultados foram divulgados na última quarta-feira. Esse quadro é definido, segundo critérios técnicos, como insegurança alimentar grave.
Estamos falando de 15,5% da população brasileira. Porém, o quadro é ainda mais grave. Se somarmos a esse percentual quem vive em insegurança alimentar leve (incerteza de ter acesso a alimentos) e moderada (quantidade insuficiente de alimentos) temos 125,2 milhões de pessoas, equivalentes a 58,7% da população. Regredimos para o patamar da década de 1990.
Quando lemos uma notícia como essa, há duas formas de reação possíveis. Um olhar estatístico, quase frio, que se limita a uma análise de cunho exclusivamente técnico. Similar às declarações de autoridades explicando mortes de inocentes por balas perdidas como um efeito colateral inevitável. Já o outro traz consigo a empatia com quem vive o drama, provocando um misto de indignação com ações voluntárias de solidariedade. É alarmante sabermos que mais 14 milhões de pessoas passaram a não ter o que comer desde 2020.
Mesmo para quem ainda está conseguindo se alimentar minimamente, o prognóstico não é nada bom já que a inflação continua subindo, podendo chegar ao final do ano com índice próximo de 10%. Inflação alta, como todos sabem, significa perda de poder aquisitivo da parcela mais pobre da população. Assim, mantido esse cenário, a tendência é o aumento do número de pessoas passando fome.
E como essa situação vai impactar a disputa presidencial de outubro? Também na quarta-feira foi divulgada mais uma rodada da pesquisa Genial/Quaest. Os dados mais interessantes dizem respeito à indicação dos principais problemas apontados por quem respondeu ao questionário de forma presencial.
A economia lidera as respostas com 44%, sendo importante registrar que desde setembro de 2021, em todas as rodadas, sempre foi a primeira colocada. Em segundo lugar vem saúde/pandemia com 15%, um crescimento de 2% em relação ao mês passado. Na sequência temos corrupção (11%), questões sociais (11%) e violência (8%).
Esse retrato revela que, mantido o cenário, a crise econômica terá papel preponderante nas eleições. Essa tem sido a razão para uma série de medidas de cunho populista levadas a cabo pelo governo federal, com apoio da maioria do Congresso, tentando reverter a situação desfavorável. A última delas foi a imposição do teto de 17% para o ICMS sobre combustíveis, energia, gás natural, transporte público e telecomunicações.
De outro lado, o ex-presidente Lula, líder nas pesquisas, tem sustentado sua atuação procurando reforçar a percepção de parte significativa do eleitorado que identifica nos seus governos períodos em que tinha uma vida melhor. Em seu material de divulgação, de maneira recorrente, faz comparações com o momento atual. Só que a questão não é tão simples como ele procura demonstrar.
O cenário político e econômico que vem se desenhando para 2023 indica enormes dificuldades para o governo que tomará posse em janeiro. O diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra, afirmou recentemente que o momento atual é difícil para a economia global. Segundo ele, os próximos cinco anos serão complicados em razão de uma perspectiva de desaceleração do crescimento em meio à inflação alta, podendo ser necessário uma recessão para o controle de nível de preços.
Por seu lado, caso se confirme sua vitória, será obrigado a enfrentar uma feroz oposição do bolsonarismo, muito diferente da frágil e quase inexistente oposição à época de seus governos. E ainda precisará negociar com um Congresso que se viciou com o poder que amealhou na relação promíscua com o Executivo, onde a peça de resistência é orçamento secreto.
As promessas do ex-presidente de garantir a solução para os problemas sociais, ainda que possam ser sinceras, esbarrarão em condições desfavoráveis. Assim, não será pequena a possibilidade de, logo no primeiro ano de mandato de um eventual novo governo, vermos os eleitores que o teriam elegido com base na esperança de retorno aos bons tempos serem tomados pelo sentimento de enorme frustação cuja superação precisará de muito mais que palavras de otimismo ou de chamamento à confiança no líder. Enquanto isso, continuaremos com 33,1 milhões de pessoas passando fome. Qual será o comportamento delas diante de uma provável decepção com o novo governo?