A proposta do governo federal para acelerar a votação no Senado do projeto de lei que limita a cobrança do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia e serviços de telecomunicações a uma alíquota de 17% e reduzir os preços não traz uma solução definitiva para a questão da influência externa sobre o valor dos combustíveis no mercado interno.
O anúncio feito no Palácio do Planalto, após reunião do presidente Jair Bolsonaro (PL) com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e de ministros das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Ciro Nogueira, teve mais pompa do que conteúdo prático e, embora deva gerar um ganho temporário, pode levar a uma perda permanente e maior do que o que se espera. E há exemplos na história recente.
Em 1998, diante da necessidade de manter a economia estabilizada, mesmo com uma pressão sobre o câmbio e a desconfiança dos investidores internacionais com a crise financeira internacional, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, temendo um impacto nas urnas, segurou a cotação e resistiu a desvalorizar a moeda, o que só foi feito após ser reeleito para mais um mandato.
Em janeiro de 1999, o país adotou a flutuação cambial e o real se desvalorizou rapidamente diante do dólar, sendo que, para sustentar a paridade no ano eleitoral, o Brasil pegou um empréstimo de R$ 41,5 bilhões com FMI, Banco Mundial, BID e instituições europeias, que em contrapartida exigiram um rigoroso programa de ajuste fiscal.
O quadro atual é diferente, mas é possível ver semelhança entre a intenção de Fernando Henrique naquele momento e a de Jair Bolsonaro agora, a quatro meses das eleições. Embora tenha se comprometido a compensar os governadores pelas perdas decorrentes da redução a zero da alíquota do imposto estadual sobre o diesel e o gás de cozinha, negando uma contrapartida para a queda na arrecadação com a limitação da alíquota do ICMS da gasolina e do etanol, o presidente Bolsonaro não apresentou nada de concreto.
Os recursos para compensar os entes federados dependem de receitas extraordinárias e o repasse depende da aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC,) que ainda será enviada ao Congresso e precisa de votação em dois turnos na Câmara e no Senado, com exigência de três quintos dos votos, o que significa a aprovação de 308 deputados e 49 senadores.
Em ano eleitoral, com deputados em campanha, a aprovação dessa PEC não está garantida, o que deixaria em aberto a forma de compensar os estados até o fim do ano, Enquanto isso, a proposta que limita a alíquota do ICMS precisa apenas ser votada no Senado em dois turnos e caso seja modificada retornar para apreciação na Câmara. Isso significa que a compensação apenas no caso de os estados zerarem o ICMS do diesel e do gás de cozinha terá validade até 31 de dezembro, com o governo federal estimando gastar entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões.
Com isso, em 1º de janeiro de 2023, as alíquotas do diesel e do gás de cozinha voltam e os preços sobem automaticamente. E mais: o represamento dos reajustes com o preço do petróleo subindo no mercado internacional vai levar à necessidade de um aumento significativo.
Com as medidas anunciadas, o governo Bolsonaro pode estar armando uma bomba relógio a explodir no colo do próximo presidente eleito, seja ele mesmo ou qualquer outro que vença as eleições de novembro, aumentando o rombo orçamentário para 2023, que conta, por exemplo, com precatórios cujo pagamento foi postergado.
Ainda que o preço do diesel possa ter agora uma queda entre R$ 0,509 no Mato Grosso do Sul e R$ 1,006 no Acre — em Minas será de R$ 0,716; em São Paulo, de R$ 0,667; e no Rio, de R$ 0,595 —, esse ganho será rapidamente devorado por novos reajustes dos preços nas refinarias. Para se ter ideia, segundo importadores, na data de ontem o valor do diesel no Brasil estava 21% abaixo do valor no mercado internacional, ou o equivalente a R$ 1,27.
Para seguir a paridade internacional, o reajuste necessário anula o corte de impostos antes mesmo de entrar em vigor. Já a perda de estados e municípios será permanente, obrigando-os a buscar novas fontes de receita ou comprometendo serviços como educação e segurança pública.