Os gritos desesperados de Genivaldo de Jesus Santos deveriam ecoar dentro de cada cidadão brasileiro. Tocar-lhes o coração, sangrar-lhes a alma. Genivaldo foi assassinado aos olhos de milhões de pessoas, em plena luz do dia, no meio da rua. Por policiais que deveriam personificar o estrito cumprimento das leis e o respeito ao Estado de direito. Agentes que roubaram o último fôlego de Genivaldo, que lhe tolheram o maior dos tesouros: a vida. Mataram Genivaldo. Puniram um delito simples — não usar capacete — com um homicidio. Instituíram a pena de morte à revelia da Constituição brasileira. Outras pessoas filmaram a agonia do homem, advertiram que a tortura o mataria, mas nada fizeram além disso.
Doeu ver a mãe de Genivaldo chorar a morte do filho. Impuseram a uma idosa a pior das dores: a subversão da lógica da existência. Nenhuma mãe deveria sepultar o filho, ainda mais quando arrancado de seu convívio com tamanha violência.
Dentro do camburão da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Genivaldo somos todos nós. Asfixiados pela onipotência de quem despreza a humanidade. Reféns de quem confunde poder com sadismo. Dependentes de um sistema racista e discriminatório. No Brasil de Genivaldo, pobre morre mais do que rico nas mãos das forças de segurança. Que segurança??? Negro costuma ser sinônimo de suspeito, na visão de tantos policiais.
Fizeram uma releitura das câmaras de gás nazistas. Quem imaginava que lançar uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do camburão de uma viatura mataria um ser humano, não é mesmo? Quem esperava que alguém com pés e mãos amarrados, e impedido de sair de um ambiente fechado, sobreviveria a isso? A agonia documentada de Genivaldo causou-me um frio na espinha.
Eu me lembrei das histórias que ouvi de quatro sobreviventes do campo de extermínio nazista de Auschwitz. Um deles, uma senhora de 92 anos, contou-me que viu uma mãe dizer à filha que tomariam um banho quente, enquanto aguardavam a execução em uma fila imensa de inocentes. Genivaldo foi morto em uma câmara de gás improvisada no meio da rua, a olhos vistos, por quem deveria só adverti-lo do delito simples e deixá-lo viver. Nem imagino o que acontece na calada da noite, nos becos das favelas de nosso Brasil...
Somos todos Genivaldo. Quantos de nós não somos mortos pela inoperância do Estado ou torturados pela banda podre da polícia? Quantos de nós não temos roubada a esperança de uma nação mais justa, solidária e segura? Quantos de nós não temos medo de sair às ruas e não voltar para casa? Mataram Genivaldo; asfixiaram parte da imagem da polícia guardiã, protetora, amiga da sociedade. Todos nós morremos um pouco com Genivaldo.