Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, repetia o filósofo de Mondubim ecoando o bardo quinhentista Camões. Tal observação atemporal, cabe muito bem no atual manequim da estatal dos combustíveis, a Petrobras. Criada para dar autonomia e independência ao país em relação aos derivados de petróleo, a companhia tem tido muitos papeis ao longo das décadas. Alguns de importância estratégica, outros, de interesse meramente político.
Hoje, a estatal parece ter se transformado numa autêntica dor de cabeça para o governo e para os brasileiros. O que a empresa entrega com uma mão, por meio de impostos e dividendos, arranca com a outra, na forma de uma paridade injusta de preços dos seus produtos. Felizes com o desempenho econômico dessa empresa estão apenas os acionistas e os diretores que gerenciam os negócios bilionários do ouro negro.
Com o último reajuste, vindo na crista de inúmeros outros, elevando a gasolina em mais de 5% e o diesel, em 14,26%, a política de preços da Petrobras conseguiu uma unanimidade contra si, ao se colocar entre o principal fator do crescimento da inflação. A gritaria tem sido geral, com todos acusando a empresa de praticar preços abusivos de olho apenas nos lucros e na rentabilidade dos acionistas e da cúpula dirigente. As discussões sobre a conduta da gananciosa da Petrobras extrapolaram as salas de sua sede, no Rio de Janeiro, e passaram a ecoar por todo o país, principalmente em Brasília, onde, às vésperas das eleições gerais, o tema atingiu alta temperatura política.
As ameaças vêm de todos os lados. O presidente da República, que até hoje parece não ter acertado um nome para a direção da estatal, depois de várias mudanças e de inúmeros apelos para que a empresa encontrasse uma fórmula de preços razoáveis, dentro da realidade nacional, perdeu a timidez e agora acusa a petroleira de traição.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, promete não se opor a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), mesmo que a comissão venha a se transformar num palanque privilegiado para as campanhas políticas. No meio dessa confusão, que vem se estendendo por anos, a oposição, parece ter encontrado um gancho para pendurar seus argumentos contra o governo, esquecendo-se do que fez com a estatal, e que resultou na Operação Lava Jato e no chamado Petrolão.
Há ainda ameaças, vindas de diversas partes para que a taxação dos lucros da empresa seja revista para cima. Outras ameaças também são verbalizadas, como aquela que pretende entregar ao alvitre da Agência Nacional do Petróleo (ANP), toda a política de preços referente à Petrobras. A crise dos preços dos derivados do petróleo, transformado em commodities e cotado, no mercado internacional, pela variação do preço do barril em dólar, encontrou internamente um país em séria crise, com o aumento da inflação e do número de famílias vivendo na pobreza.
Há uma disparidade enorme entre os preços praticados internamente e o preço contado no exterior. Para um país continental e que tem, desde os anos cinquenta, calcado seu modelo de transporte por rodovias, o aumento do diesel é um tiro de morte na movimentação de cargas. Os caminhoneiros já estão acertando os ponteiros para deflagrar uma paralisação monstro, levando um complicador a mais em todo esse processo.
A verdade é que o governo não tem todos os instrumentos legais para modificar a política de preços da empresa, mesmo sendo grande acionista. O pior é que qualquer intervenção mais brusca nessa empresa, pode ocasionar, além de mais inflação, um risco de desabastecimento generalizado, elevando o termômetro da crise.
A proximidade das eleições é ainda fator de risco para toda essa crise de paridade de preços da Petrobras, uma vez que induz aos candidatos à formulação de programas demagógicos e populistas, que podem agravar ainda mais a relação dessa empresa com o mercado interno. Internamente, sem concorrentes diretos e dominando mais de 80% do mercado brasileiro, a Petrobras continua fazendo ouvidos moucos à crise, indiferente ao que ocorre hoje no Brasil.
Amparada por seus estatutos e movimentando-se ao sabor dos elevados preços desse produto no mercado internacional, a Petrobras enxerga ainda mais lucros com a aquisição de novas plataformas que virão, com as perspectivas do prolongamento da guerra no leste europeu e outros fatores, todos eles distantes da realidade cotidiana do país.
Trata-se aqui de uma empresa que cresceu, graças aos brasileiros, mas que hoje se mostra indiferente e até hostil àqueles que lhe deram vida. Como principal fornecedora de combustível ao país, a Petrobras não se movimenta com base em conceitos como patriotismo, cidadania ou outros apelos do tipo sentimental. Seu objetivo é o lucro, não importando como obtê-lo. A maldição do ouro negro, que atingiu muitos países mundo afora, parece ter encontrado, agora, um novo país para pôr de fora suas garras.
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