IGOR LINSRENATA GIANINNI - Pesquisadores do Instituto Igarapé
A democracia brasileira está em risco. Engana-se quem espera tanques nas ruas para anunciar a instauração de um regime ditatorial ou uma guerra que ameace a soberania do país, como ocorre na Ucrânia. Atualmente, a corrosão democrática acontece nas entranhas do Estado e progressivamente: líderes autoritários restringem a livre participação no espaço cívico com ameaças à população e aos demais poderes.
O espaço cívico é fundamental em uma sociedade democrática. Nele, cidadãos dialogam e influenciam governos por políticas mais eficientes nas mais diversas áreas, além de poderem se expressar, manifestar e demandar melhorias livremente. Esse espaço está em risco no Brasil.
O Instituto Igarapé tem monitorado tais ameaças e as reações a elas por parte da sociedade civil e das instituições. Em boletins trimestrais, são publicadas análises sobre as diferentes táticas e estratégias utilizadas para atacar o espaço cívico. Na 6ª edição publicada, foram contabilizadas 367 ameaças apenas no primeiro trimestre de 2022, o que representa um acréscimo de 9,8% das ameaças democráticas em relação aos três meses anteriores. Descredibilização do sistema eleitoral, campanhas de desinformação, abuso de poder e intimidação e assédio são as principais estratégias de desconstrução das instituições e de corrosão democrática.
Entre janeiro e março de 2022, por exemplo, foram identificados 50 casos de intimidação e assédio. Aqueles que são críticos às atuais políticas têm sofrido os mais diversos tipos de ameaças, desde difamações on-line e off-line até perseguições institucionais. Nossas instituições, em várias instâncias, se distanciaram da função que deveriam cumprir de acordo com a Constituição Federal, e têm servido a interesses particulares. Apenas no primeiro trimestre de 2022, foram contabilizados 76 casos de abuso de poder.
Em ano eleitoral, é preciso entender o que está em jogo. Nossos direitos e as instituições democráticas, construídas a duras penas, não podem ser negociadas. Não se trata apenas de mudar os líderes do nosso governo. Trata-se de defender os direitos humanos, o meio ambiente e a integridade do processo eleitoral e das instituições do país, que vêm sendo atacadas e descredibilizadas, principalmente por meio de fake news e campanhas de desinformação.
Também observamos o aumento dos casos de violência política nos estados, especialmente direcionado aos políticos e ativistas negros, às mulheres, aos povos indígenas e à população LGBTQIA . Foram 18 violações de direitos civis e políticos. E isso não podemos permitir.
Se, por um lado, líderes autoritários são responsáveis pela corrosão de regimes democráticos, por outro, a anuência ou a falta de resposta das instituições políticas a viabiliza. O Brasil tem patinado em dar respostas mais enfáticas em diversas ocasiões, sobretudo porque algumas instituições-chave nesse processo estão alinhadas ao processo de desconstrução do Estado. Por sorte, ainda há guardiões da democracia no âmbito da máquina pública, e na sociedade, diversos grupos estão se organizando.
O Judiciário, na figura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), foi o fiel da balança entre a democracia e o autoritarismo neste ano. A suprema corte foi alvo preferencial dos ataques antidemocráticos nos últimos três meses, mas foi firme na defesa da sua independência, na fiscalização do Executivo e do Legislativo e na reação ao discurso de ódio de grupos da extrema direita. Os dados, nesse sentido, atribuem ao Judiciário mais de 36% das respostas institucionais ao fechamento do espaço cívico.
Erram aqueles que creem que a democracia está apenas nas mãos das autoridades. No limiar do poder e da ação concentrada das instituições, a sociedade civil aparece como um dos principais e indispensáveis atores na defesa do espaço cívico. Muito além da escolha individual nas eleições, os movimentos sociais, as organizações sociais e associações profissionais foram determinantes na contenção dos retrocessos.
As 274 reações às ameaças de fechamento do espaço cívico demonstram que a democracia não será corrompida sem resistência. É ilusório apostar na passividade do povo brasileiro, da sociedade civil e das instituições nos momentos de acirramento da investida autoritária no Brasil. Mais do que nunca, o povo quer — e precisa — de um governo democrático e republicano que invista na redução das desigualdades sociais, em uma nova política climática, no combate à insegurança pública e na abertura irredutível do espaço cívico. O medo não vencerá a democracia.
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