Por Sebastião Rinaldi - Professor de português no Instituto Adus, mestrando em sociologia da educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Os números alarmam e se fazem notar. Mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo foram obrigadas a deixar seus lares, fugindo de conflitos, perseguições, guerras e violações de direitos humanos, alerta a Acnur, agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados. Trazendo o eixo para a América do Sul, estima-se que mais de 600 mil venezuelanos tenham imigrado para o Brasil devido à crise humanitária do antigo membro do Mercosul. Por aqui, começamos também a receber afegãos e ucranianos, reforçando nossa vocação como destino de asilo.
Para além dessas nacionalidades, sírios, haitianos, congoleses, bolivianos e peruanos são alguns dos que buscam por um novo lar em território brasileiro. Hispânicos tendem a se adaptar com mais facilidade pela proximidade entre os dois idiomas de base latina. Entretanto, o ensino da língua portuguesa em si, como apresentada em escolas convencionais, pode não bastar para muitos desses migrantes, sejam eles classificados como refugiados, pessoas em situação análoga a refúgio, solicitantes de asilo ou acolhida humanitária, como prevê a Lei da Migração (nº 13.445/2017).
No Dia Mundial do Refugiado, comemorado anualmente em 20 de junho, é importante sublinhar a particularidade do conceito de português como língua de acolhimento — ou Plac, como se convencionou no terceiro setor —, que nasceu no fim dos anos 1990 em Portugal devido ao grande fluxo de imigrantes do Leste Europeu, principalmente ucranianos, rumo à Península Ibérica. Comecei a me deparar com esse termo ainda em 2017, quando me juntei ao time de professores voluntários do Instituto Adus (adus.org.br), em 2017. O que parecia teoricamente simples — afinal, é a minha língua materna — mostrou-se como um verdadeiro desafio na prática.
Como ensinar o uso adequado do português brasileiro para uma turma de 50 alunos, muitos deles não acostumados com o alfabeto romano, não para redigir um e-mail, mas para tentar um emprego e pesquisar sobre uma nova moradia, em um contexto integralmente novo e desafiador?
Com o objetivo de utilizar o idioma como ferramenta de inclusão (e não de afastamento), listo aqui algumas orientações que aprendi na prática, como não perguntar o motivo da mudança geográfica ou informações particulares sobre a família daquele indivíduo — a não ser que a pessoa queira falar voluntariamente. Outros cuidados fui entendendo no caminho, como evitar datas e feriados do calendário cristão, considerando que há outras religiões em palco, e não abordar com frequência temas como turismo ou gastronomia (atrativos brasileiros pelos quais muitos se interessam), pois as realidades ali presentes costumam ser mais áridas.
Obviamente, nada precisa ser cravado em pedra. A depender do contexto, um feriado pode ser transformado em uma oportunidade para um show gratuito ao ar livre e o "destino Rio de Janeiro" pode ser um meio para falar da história e da cultura do Brasil, passando por aspectos únicos como o surgimento da bossa nova e a ebulição do carnaval de rua.
Todo mundo deve se lembrar da onda de portugueses rumo ao Brasil entre 2009 e 2010 devido à crise econômica global iniciada em 2008. De acordo com o relatório "Imigração e Refúgio no Brasil: Retratos da Década de 2010", do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), o país europeu, de fato, liderava no ranking de imigrantes. No entanto, 10 anos depois, em 2020, Venezuela (17,7%) e Haiti (15,3%) são os primeiros colocados nesse quesito.
Outro dado que o levantamento trouxe diz respeito aos destinos selecionados. Engana-se quem acha que os prediletos atualmente são os países desenvolvidos. Apenas duas nações nesse Ranking 10 — França e Estados Unidos — não são sul-globais. De acordo com o estudo, há uma tendência de fluxo migratório sul-sul, considerando que as fronteiras europeias e norte-americanas endureceram na última década.
Em linhas gerais, o trabalho voluntário para o público de imigrantes e refugiados vem ganhando mais visibilidade no país nos últimos anos. Algo curioso, dado que o Brasil é esse caldeirão de etnias desde que se entende como nação. A visão do "outro" enquanto meu par caminha lado a lado com o conceito de Plac — ao contrário de um estrangeiro (aliás, termo em desuso) não pertencente. O zelo com a linguagem passa pela forma como pensamos e nos relacionamos com as pessoas e diz respeito sobre como nos colocamos socialmente e nas nossas conexões interpessoais.
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