Enquanto leio os artigos, relatos e homenagens sobre o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, muitos tão bonitos e doídos, me pergunto como chegamos até aqui. Onde foi parar a nossa dignidade, se é que um dia a tivemos? Por dignidade, entende-se "qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade, nobreza".
Um país digno deveria reconhecer seu passado sangrento, que usurpou índios e escravizou pretos. Ao não reconhecer, segue fazendo o mesmo, torna-se um genocida de indígenas e negros, sob patrocínio do Estado.
Somos um Brasil que não é nobre e não respeita sua gente. Somos um Brasil autoritário, que ainda flerta com ações antidemocráticas. Um Brasil racista, machista, que caminha para dizimar os povos originários e o único patrimônio que nos faz ricos: a Amazônia.
O jornalista e o indigenista mortos em plena floresta, no exercício de seu trabalho, dizem mais sobre nós do que qualquer teoria. Mais do que corpos — ou do que restou deles — Bruno e Dom são símbolos de nossos crimes em série, mazelas e dores. Ser um país que mata é triste e revoltante. Ainda que não sejamos diretamente responsáveis pelas mortes, ainda assim somos esse país que mata.
Não foram uma, duas ou quatro pessoas que assassinaram Dom e Bruno. Foram as autoridades que se omitiram; foram os governantes que fracassaram na defesa da floresta; foi um país que coloca sua dor em banho-maria tão logo as covas são fechadas.
Um Brasil digno se curvaria diante dessas mortes em sinal de luto e respeito. Um Brasil digno reconheceria que esses assassinatos não podem cair na banalidade e no esquecimento. Um Brasil digno teria punição exemplar. Um Brasil digno não espera justiça divina. Um país honrado choraria seus mortos, mas não sepultaria as lições que eles deixaram.
Quando vejo as fotos de Bruno ao lado dos índios ou de Dom caminhando pela floresta, vejo o retrato da dignidade real, de brasileiros que ainda lutam ao lado de quem merece estar nessas terras.
Havia ali o pertencimento genuíno, a comunhão, de quem habita a humanidade, onde quer que ela esteja. Uma humanidade que só alcançaremos se formos capazes de construir uma nova história política, com luta, memória, reconhecimento, com pessoas dignas no poder. Que venham as eleições!