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Análise: Desistir jamais

O empenho de Bruno Pereira em defesa dos povos indígenas, sobretudo dos grupos isolados do Vale, e a disposição de Phillips de trazer à opinião pública os danos causados pelos invasores contrariavam os interesses dos criminosos

Rosane Garcia
postado em 13/06/2022 06:00
 (crédito:  Carlos Vieira/CB)
(crédito: Carlos Vieira/CB)

Cadê Bruno Pereira e Dom Phillips? Desde o dia 5 último, a pergunta ecoa no noticiário brasileiro e internacional. O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico e correspondente do jornal The Guardian Dom Phillips, no Vale do Javari, no oeste da Amazônia, entre os municípios de Atalaia do Norte e Guajará, não foi um acidente. Ambos estavam ameaçados por grupos criminosos invasores do território indígena, fronteiriço com o Peru, e uma das rotas de traficantes, segundo lideranças de organizações locais.

O Vale, com área equivalente à de Portugal, abriga 26 povos indígenas, a maioria deles isolada por opção — não quer contato com os "brancos". A população das sete etnias contatadas soma mais de 6.300 pessoas (embora muitos não os reconheçam como seres humanos). A Terra Indígena Javari foi demarcada no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996, homologada e inscrita na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em 2001. Hoje, a região é território de uma aliança sórdida e violenta entre garimpeiros, pescadores, madeireiros e narcotraficantes.

O empenho de Bruno Pereira em defesa dos povos indígenas, sobretudo dos grupos isolados do Vale, e a disposição de Phillips de trazer à opinião pública os danos causados pelos invasores contrariavam os interesses dos criminosos. Os povos originários nunca foram contemplados com políticas públicas adequadas e respeitosas aos seus direitos, como estabelecidas tanto na atual quanto nas constituições passadas. Mas, nos últimos anos, os tradicionais inimigos ganharam força e apoio para agir como os colonizadores do passado e promover o que rotulavam de "limpeza de área", ou seja, o extermínio dos povos originários.

O sertanista e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Sydney Possuelo, conhecedor das peculiaridades da região, anteviu, logo nas primeiras horas após o anúncio do desaparecimento de Bruno e Phillips, que seria improvável um desfecho feliz. Não se tratava de pessimismo, mas de realismo ante a política anti-indigenista em curso no país.

A crise causada pelos invasores se arrastava há anos na região do Vale do Javari. Mais recentemente, tornou-se uma zona sangrenta. Em 2019, o indigenista Macxiel Pereira dos Santos, 34 anos, funcionário da Funai, foi assassinado a tiros, quando passeava com a família em Tabatinga, cidade próxima à terra indígena. Ele trabalhava na Frente de Proteção Etnoambiental da Funai e atuava nas operações de fiscalização e combate à caça, pesca, garimpo e exploração madeireira ilegais no Vale. Os assassinos não foram identificados até hoje.

A aversão do poder público aos povos originários e tradicionais, e aos mais elementares direitos humanos, se tornou um estímulo à matança de indígenas em todas as regiões. As decisões do Judiciário em favor dos indígenas são ignoradas. Recorrer às cortes e aos organismos internacionais não altera o script macabro. Se a imagem do país fica manchada diante das demais nações, também não tem importância. Porém, é preciso resistir e cobrar: cadê Bruno e Phillips?

 


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