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Análise: (Des)Coordenação entre as políticas fiscal e monetária

Embora em comunicados recentes o BC tenha sinalizado uma próxima alta de 50 pontos base, encerrando o ciclo de alta dos juros em 13,25%, aqui na Gladius acreditamos que o aperto monetário possa ir além disso

Correio Braziliense
postado em 11/06/2022 06:00
 (crédito: Olieman Eth/Unsplash)
(crédito: Olieman Eth/Unsplash)

BENITO SALOMÃO — Doutor em economia pelo PPGE/UFU, é economista chefe da Gladius Research

Mês após mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) torna público o dado do IPCA indicando inflação persistente acima dos dois dígitos. O Banco Central (BC), por sua vez, tem feito seu trabalho e empreendido uma voraz contração monetária. Ao todo, os juros nominais partiram de 2% ao ano em março de 2021 e chegaram ao atual patamar de 12,75%.

Embora em comunicados recentes o BC tenha sinalizado uma próxima alta de 50 pontos base, encerrando o ciclo de alta dos juros em 13,25%, aqui na Gladius acreditamos que o aperto monetário possa ir além disso. Nossa projeção é de Selic a 14,25% no final de 2022.

Alguns fatores nos levam a crer em juros mais altos neste ano. Primeiramente, os núcleos da inflação obtidos a partir da filtragem de choques temporários, apontam uma tendência contínua de alta desde o início de 2021. Isso significa que as elevações de preços têm sido generalizadas e que, portanto, a inflação deverá persistir ainda por um período mais longo do que o BC tem considerado.

No momento em que este artigo está sendo escrito, não temos o Boletim Focus informando sobre as expectativas de inflação. Porém, é possível acreditar que, diante dos dados em curso, as expectativas para 2023 estejam desancorando. Esse seria um segundo motivo para acreditar em juros mais altos.

Em modelos macroeconômicos guiados pela hipótese das expectativas racionais, isso significa um prenúncio de inflação maior. Pois, ao preverem inflação maior no futuro, firmas antecipam defensivamente reajustes de preços no presente. Sozinho na missão de controlar a inflação, o BC empreende o maior ciclo de contração monetária desde o regime de metas instituído em 1999.

Duas questões preocupam: 1) a ineficácia da política monetária em desacelerar a trajetória da inflação, que tem persistido por longo período; 2) a inflação esteja apresentando tal comportamento, mesmo diante do elevado desemprego e do PIB que deve crescer entre 0% e 1% em 2022.

Em 1968, Milton Friedman ensinou que a política monetária é um instrumento eficiente para manter a inflação estável. Em 1981, Thomas Sargent e Neil Wallace argumentaram que a política monetária, embora eficiente, pode não ser suficiente para estabilizar a inflação. Os autores alegam que existem dois tipos de coordenação macroeconômica: no primeiro caso, quando há dominância monetária, o BC é capaz de limitar a quantidade de títulos e moeda que está disposto a ofertar para financiar deficits públicos.

Nesse caso, as receitas de senhoriagem da moeda da política fiscal são limitadas. Se o regime de coordenação indica dominância monetária, Sargent e Wallace concordam com Friedman acerca da eficácia da política monetária como instrumento anti-inflacionário.

Já no segundo caso, conhecido como dominância fiscal, o Tesouro é livre para escolher a magnitude do seu deficit e cabe ao BC financiá-lo por vias da emissão de títulos e moeda (senhoriagem), aí a autoridade monetária perde o controle sobre os preços.

Em modelos macroeconômicos baseados em quatro equações, a moeda é omitida. A ausência de moeda produz um tipo específico de dominância fiscal, aquela caracterizada por inflação persistente coexistindo com taxas de juros excessivamente altas. O BC não tem dificuldade para ofertar seus títulos, porém os juros exigidos pelo mercado são cada vez maiores.

Isso pode ser visto, no Brasil, nos movimentos da taxa implícita de juros, cuja alta começou antes e foi mais intensa do que a própria Selic. Esse descolamento entre a Selic e a taxa implícita de juros pode estar antecipando uma alta maior da Selic do que o mercado e o próprio BC têm previsto até aqui.

Em outras palavras, as falhas de coordenação entre as políticas fiscal e monetária têm produzido no Brasil um equilíbrio macroeconômico indesejável. O país ostenta hoje taxas de juros e inflação acima dos dois dígitos. Não há nenhum sinal de reversão desse cenário a curto prazo.

O BC tem colocado a política monetária no terreno contracionista, porém o Ministério da Economia, em conluio com o Congresso Nacional, tem aproveitado o ciclo positivo de receitas para distribuir dinheiro de helicóptero em ano eleitoral. Para além dos choques de oferta sobre preços de energia, há uma má calibragem da política fiscal, motivada pela eleição, que pode ser perigosamente inflacionária.

O Brasil pode mergulhar em um regime de dominância fiscal cuja inflação só vai ceder e voltar ao centro da meta quando houver melhor coordenação entre as políticas fiscal e monetária. A partir de 2023 o país precisará reconstruir uma âncora fiscal visando à estabilidade de preços.

 


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