A pandemia aumentou o mapa da fome no Brasil, mas não podemos jogar toda a culpa nesse período realmente terrível pelo qual o país passou — e ainda passa. O problema da fome no Brasil é muito mais complexo e tem a ver com a falta de políticas voltadas para a população mais carente, principalmente nos últimos anos.
Os governos federal e estaduais — e isso inclui os seus antecessores — podem até desfilar uma série de programas pontuais voltados para as camadas menos favorecidas que foram e são executados, mas o fato é que erradicar a pobreza e a fome deixou de ser prioridade no país faz algum tempo. O levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) é apenas a comprovação disso, o retrato em números da falta de políticas sérias de combate à miséria.
De acordo com a pesquisa, nada menos que 33,1 milhões de pessoas no país não têm o que comer diariamente. Equivale às populações do Chile, do Uruguai e do Paraguai, somadas. É um número superior ao do início dos anos 90, quando pesquisas apontavam que 30 milhões de brasileiros não tinham alimentos suficientes para se nutrir. Em outras palavras, regredimos.
A realidade da escassez de comida é pior para alguns segmentos do que para outros. Segundo o levantamento, a fome é maior nas regiões Norte e Nordeste do país, na zona rural, em lares comandados por pretos e pardos, atinge mais famílias sustentadas por mulheres e os domicílios em que o responsável por cuidar dos filhos está desempregado.
O agravante nessa história é que estamos falando do país que é um dos maiores produtores de alimentos no mundo. De acordo com as estimativas de março do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a safra brasileira de grãos (soja, milho e arroz) deve bater novo recorde, alcançando 258,9 milhões de toneladas este ano. O Brasil também é um dos maiores produtores mundiais de proteína animal, com destaque para a carne bovina - em boa parte exportada.
Outro agravante é que ao mesmo tempo em que somos o país com grande produção de grãos, carnes, leite e hortigranjeiros, somos também um dos que mais jogam comida fora. De acordo com levantamento da ONU, o Brasil desperdiça cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos por ano. Grande parte desse desperdício ocorre durante o transporte, o manuseio e nas centrais de abastecimento.
O pior é que não é possível enxergar um cenário muito animador num futuro próximo. O desemprego, a inflação e o descaso com os mais necessitados empurram cada vez mais brasileiros para a condição de pobreza extrema. O país já soma mais de 17 milhões de famílias vivendo com renda per capita mensal de R$ 105, segundo o Cadastro Único do Ministério da Cidadania, e o número só vem crescendo.
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