OPINIÃO

Universidade pública e gratuita: liberdade do conhecimento e da pesquisa

Correio Braziliense
postado em 06/06/2022 05:45 / atualizado em 06/06/2022 06:00

Por Maria Francisca Pinheiro Coelho — Professora titular do Departamento de Sociologia da UnB

A Proposta de Emenda à Constituição, do deputado General Peternelli (União Brasil), prevista para votação na Comissão de Constituição e Justiça, sugere uma nova redação ao art. 206, inciso IV, que define a "Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais" pela "cobrança de mensalidades pelas universidades públicas".

Essa PEC se situa na contramão da contemporaneidade e do significado da luta vitoriosa na Assembleia Constituinte de 1988, que definiu a educação pública e gratuita em todos os níveis do ensino oficial. Esse princípio da educação pública e gratuita em todos os níveis foi consagrado pela primeira na Constituição de 1988. Pela Emenda do General Peternelli, o artigo 207 da Constituição, que trata da autonomia universitária e dos princípios da indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão, seria acrescido do seguinte parágrafo: "As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo".

O autor da Emenda demonstra um total desconhecimento da história da educação brasileira e do que representaram as lutas pela gratuidade da educação pública em todos os níveis, a exemplo do movimento dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, em contraste com os interesses defendidos pelo setor privado, representado pelas instituições confessionais. Esse conflito público-privado na área da educação é histórico e na Constituinte de 1987-1988 foi o mais acirrado nesse campo, pelas disputas ocorridas entre as entidades empresariais privadas do ensino e as entidades e movimentes representantes da educação pública.

Durante toda o processo da Assembleia Constituinte que teve uma duração de quase dois anos, o princípio da gratuidade no ensino público em todos os níveis foi o único dispositivo aprovado em todas às fases da Constituinte, sem nenhuma modificação: da Subcomissão de Educação, Cultura e Esporte ao Plenário final da Assembleia. Sem dúvida, essa foi a maior vitória na história do ensino público no Brasil desde o período Colonial.

A proposta do Peternelli é um retrocesso na cultura e na educação nacional. Volta como uma marca do tempo ao período da ditadura militar que promoveu a expansão do ensino superior privado, que chegou a representar 75% das Instituições do Ensino Superior Brasileiro, sobretudo em instituições privadas isoladas.

Os tempos atuais são outros e não cabem retrocessos. A Constituição é democrática e o país outro na área da educação. Trata-se de aprofundar a democracia e não retroceder. Acrescente-se a esse debate que a Universidade Pública além da autonomia universitária implantou o sistema de cotas econômicas, culturais e étnicas, que democratizam o acesso à universidade e a tornam também uma instituição multicultural.

Somente o desconhecimento da história da Educação Brasileira e de seus conflitos com setores empresariais do ensino justifica essa Emenda Constitucional, que de fato visa desconstruir as universidades públicas que garantem as maiores taxas no que diz respeito à qualidade do ensino e da pesquisa no país.

Essa proposta do general deputado Peternelli é ideológica e tem o mesmo conteúdo do Projeto da Escola sem Partido, que defende uma educação acrítica. Na realidade o projeto da Escola sem partido é de uma escola com partido, como se a liberdade do conhecimento, do ensino e da pesquisa fossem atrelados a uma ideologia.

Deve-se separar o campo da política, da economia e o da educação, sem fazer da educação e da ciência um instrumento particular de acumulação privada. O ensino privado no Brasil, sobretudo pela sua natureza empresarial, sempre teve como objetivo para a sua expansão privatizar a educação pública, sendo a cobrança de anuidades uma meta nesse sentido.

O Estado Brasileiro demorou muito em reconhecer esse direito e esse dever social que é um dos maiores bens de uma nação livre e democrática. A Constituição de 1988, a mais democrática entre as sete Constituições brasileiras, precisa de garantia.

O Estado brasileiro deve se preocupar mais em cumprir os princípios garantidos pela Constituição. E uma educação pública gratuita e de qualidade e um ensino privado de qualidade podem garantir os objetivos de uma nação livre e soberana. A PEC proposta é um retrocesso inaceitável e a boa notícia é que parece que houve um acordo entre os deputados da oposição e da situação de retirada de pauta dessa Emenda Constitucional sine die, sem marcação de uma data certa para votação. A conferir.

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