Editorial

Visão do Correio: O risco do vírus da negligência

Correio Braziliense
postado em 03/06/2022 06:00

Ao mesmo tempo em que a maior parte dos brasileiros retoma suas rotinas normalmente, como se a pandemia de covid-19 fosse algo do passado, dados oficiais e monitoramento de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reiteram que a ameaça, embora cada vez mais silenciosa, continua no ar, que é cedo para baixar a guarda e que o coronavírus não dá sinais de ceder à crença no fim da crise sanitária — que de resto parece se propagar também entre autoridades. O mais recente Boletim InfoGripe da Fiocruz, referente a dados da última semana de maio, é demonstração evidente desse alerta.

Divulgado na quarta-feira última, o relatório adverte que os casos notificados de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) demonstram tendência sustentável de crescimento no país, tanto quando consideradas as três quanto as seis semanas anteriores. Mais do que isso, indica que esse quadro está associado ao aumento de infecções pelo coronavírus (Sars-CoV-2), que voltou a ser predominante em testes laboratoriais positivos para viroses respiratórias, respondendo por praticamente 60% deles nas últimas quatro semanas avaliadas pela Fiocruz.

No mesmo período, a covid-19 tem predominância ainda maior quando se consideram os casos fatais de Síndrome Respiratória Aguda Grave, alerta o boletim da fundação. Segundo os dados, o Sars-CoV-2 foi identificado em 91,1% dos pacientes que morreram, enquanto o vírus sincicial respiratório, que ataca predominantemente crianças, respondeu por 4,1% dos casos, e o vírus influenza A, que provoca a gripe, foi associado a 1,6% dos óbitos.

Entre as unidades da federação, 20 das 27 apresentam tendência de crescimento nos casos de SRAG, considerados dados das últimas seis semanas analisadas: Minas Gerais, Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo. Entre as capitais, 19 estão na mesma situação além de Belo Horizonte, Aracaju (SE), Belém (PA), Boa Vista (RR), Plano Piloto e arredores em Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Manaus (AM), Natal (RN) Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP).

Assim como no caso dos estados, segundo a Fiocruz, os dados para as capitais sugerem que o crescimento está associado ao repique de casos de covid-19. Os dados e o alerta contrastam com o que se vê em cidades Brasil afora, em que se multiplicam grandes eventos com aglomerações, sem protocolos efetivos de segurança sanitária, sem cobrança de passaporte vacinal ou de testes exigidos anteriormente, e nas quais o uso de máscaras é cada vez mais ignorado, mesmo em ambientes como o transporte público, ou naqueles em que a prudência sugeriria exigência permanente da proteção facial, como diante dos bufês de restaurantes self-service e até em alguns serviços ligados ao setor de saúde.

Autoridades sanitárias alertam que o período é propício à propagação de infecções respiratórias, e que entre elas é previsível uma nova escalada de casos de contágio pelo coronavírus. Enquanto alguns municípios retomam a exigência de máscaras em locais fechados e outros ainda avaliam a medida, os dados relativos a casos de covid-19, de Síndrome Respiratória Aguda Grave e de mortes por doenças respiratórias em geral indicam que os vírus, com destaque para o Sars-CoV-2, aproveitam a trégua e o relaxamento da população e do poder público para continuar se espalhando em silêncio. E os ventos da aproximação do inverno, com taxas de vacinação aquém do desejável entre alguns grupos populacionais, sopram a favor dessa disseminação

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