OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS - General de Divisão da reserva
Vivíamos o ano de 1990. Encontrava-me no Rio de Janeiro realizando o curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao). Jovem capitão do Exército, muitos sonhos ainda a serem conquistados na carreira, com dois filhos pequenos, morava na Vila Militar no bairro de Deodoro e estudava próximo do Próprio Nacional Residencial (PNR). Salário no limite, o plano Collor havia naufragado em muito pouco tempo e, para desespero da família, o escasso dinheiro reservado na poupança para despesas emergenciais foi tungado pela política econômica desastrada do presidente eleito, "o caçador de marajás".
A desestruturação política e organizacional do Executivo, somada à inflação resistente, herança da década de 1980, cobrava elevado preço da população. O panorama nacional era, portanto, de desesperança. O programa de governo tinha apenas uma perna, a econômica, e não decolara.
Escolhas de governos passados — algumas de fato sustentadas —, por egoísmo político, foram deixados pelo caminho, trocadas por soluções mirabolantes, apresentadas como panaceia, e tentadas a cada semana. Tinham apenas o intuito de amenizar o impacto da opinião pública já farta de tanto embuste.
No comércio, pelo enxugamento monetário, faltavam muitos itens básicos. Negócios foram cancelados e projetos familiares abortados. Lembro-me de que um dos produtos que deixou de ser fornecido regularmente foi o álcool combustível para automóveis.
Estimulado pelo Proálcool, uma tentativa do governo militar de substituir a gasolina importada muito cara, em razão dos choques de petróleo, a maioria dos carros saía de fábrica apenas com motor de combustão a etanol.
As filas eram gigantescas nos postos. Tinha gente que dormia no carro esperando o caminhão tanque trazer o precioso líquido para depositar nos reservatórios subterrâneos, que logo esvaziavam, aguardando nova chegada. Homens em tempos sombrios, parafraseando uma obra de Hannah Arendt, nos custaram ainda quatro anos de desencontros até que o Plano Real fosse imaginado e colocado em prática, obtendo o sucesso de estabilizar a curva inflacionária costumeira em nosso país.
Passado mais de um quarto de século, no qual percorremos uma trilha econômica, política, militar e social das mais difíceis, a resultante do somatório de êxitos e fracassos parecia ter sinais positivos. Infelizmente, encontramo-nos novamente diante de uma encruzilhada divisora. Os caminhos podem nos levar a conflitos institucionais e ao agravamento da condução da coisa pública. A pandemia do corona vírus e a guerra Rússia-Ucrânia são outros fatores complicadores para dar um norte a nossa bússola como sociedade. A gestão do atual Executivo busca soluções do Google para problemas complexos e se aconselha nas mensagens do WhatsApp para enfrentamento das crises.
Com a corrida eleitoral tão renhida, é compreensível que o detentor do poder, e candidato a outra ronda, tenha ânsia de acalmar a população. Afinal, o voto de cada cidadão definirá a sua sobrevivência na política e proteção no ambiente pessoal. Não se pode, todavia, aceitar que os amadorismos das decisões e os voluntarismos desorganizados nos empurrem para um confronto social de dimensões não quantificáveis pela população.
A propósito, uma passagem àquela época me marcou vivamente. Quando me encontrava na fila do posto em Marechal Hermes, em um sábado ensolarado, aguardando há um bom tempo abastecer com etanol o meu velho Voyage cinza, um carro passou em alta velocidade e alguém gritou desdenhando dos famélicos por combustível: — Otários! Vocês acreditaram... Se tivermos, sociedade, que enfrentar outras filas de desabastecimento, não será por falta de avisos. Um carro de som vem passando diariamente em nossas ruas e nos informando da triste possibilidade.
Paz e bem!
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