A onda de frio que se abateu sobre o país traz em seu rastro a mudança do foco de preocupações com o clima, e não apenas as óbvias e imediatas, como os cuidados com a população mais vulnerável às baixas temperaturas, mas também as de médio prazo. Superada a temporada das chuvas e os desastres que ela arrasta ano após ano, o Brasil entra no período de estiagem e, da água, deve passar a se preocupar com o fogo e os recursos que ele consome — da mesma forma, ano após ano, e da mesma maneira, com esforços insuficientes para enfrentá-lo.
Maio é, tradicionalmente, o mês em que começam a subir os dados de monitoramento de focos de queimada feito por órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Neste mês, os gráficos indicam uma tendência que vai atingir o ápice em quase todo o país entre junho e setembro, quando as labaredas que consomem especialmente o cerrado, a Amazônia e o Pantanal — nessa ordem de grandeza territorial — contribuem para queimar também a imagem do país no exterior.
Não se trata apenas de um desgaste político em escala planetária, em um contexto no qual o mundo inteiro debate os riscos e emergências do aquecimento global, além da necessidade cada vez maior de preservação de biomas. Estudo feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), por exemplo, lista prejuízos do fogo que vão muito além do aumento da liberação de dióxido de carbono na atmosfera, uma das principais contribuições para as mudanças climáticas.
A relação é longa, e inclui destruição da vegetação e de habitats, dizimando fauna e flora e provocando risco de extinção de espécies endêmicas; erosão e perda de produtividade da terra; redução da permeabilidade do solo, contribuindo para inundações e enchentes; poluição de nascentes, águas subterrâneas e rios por meio das cinzas e material carreado da terra calcinada; danos à infraestrutura humana; e problemas respiratórios para a população afetada.
Parece muito, mas, infelizmente, está longe de ser tudo. O mesmo trabalho da CNM indica os custos econômicos e financeiros das queimadas sem controle e incêndios em áreas verdes. Segundo o estudo, desde 2016 até o ano passado, o país viu serem torrados R$ 1.157.320.779 em prejuízos causados pelo fogo. As regiões mais castigadas pelas perdas financeiras foram a Centro-Oeste, com danos estimados em R$ 837,8 milhões, correspondendo a 75,4% do total; a Sudeste (R$ 200,7 milhões, ou 11,9%); e a Norte (R$ 70,7 milhões, equivalente a 7%).
Entre os setores da economia, o pecuário foi o mais afetado pelas chamas, vendo virar cinzas um total estimado em R$ 658 milhões no período. Em seguida, mas ainda distante, vêm a agricultura, com perdas estimadas em R$ 144 milhões, além da infraestrutura pública, que contabilizou danos de R$ 103,6 milhões de 2016 a 2021. Nessas contas não entram, por serem inestimáveis, as 12 vidas perdidas nesses anos em ocorrências relacionadas ao fogo.
Os dados referentes aos valores empregados pelo governo federal em prevenção e combate a incêndios e queimadas, citados pela entidade municipalista, parecem ajudar a explicar a tragédia dos recursos naturais, humanos e econômicos consumidos pelo fogo ano a ano. De 2016 a 2021, foram pagos pela União R$ 376,2 milhões em ações de cunho preventivo e de enfrentamento às chamas, de acordo com a CNM. É pouco mais de um terço das perdas estimadas em mais de R$ 1,1 bilhão no mesmo período.
Perto de enfrentar mais uma temporada de incêndios, o país já conhece a receita do desastre. O tempo para encontrar novas formas de minimizá-lo este ano já é curtíssimo. E está correndo...