ELEIÇÕES

Artigo: É o parlamento, estúpido

ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia

Nas eleições presidenciais de 1992, nos Estados Unidos, cujos candidatos foram Bush (pai) e Clinton, o estrategista da campanha democrata, James Carville, cunhou uma frase em que destacava o fator-chave para o resultado do pleito: "É a economia, estúpido". Com a vitória de Clinton, a afirmação ganhou fama mundial.

Em outubro teremos as eleições gerais no Brasil e, como de hábito, as atenções da mídia e da população estão concentradas na disputa presidencial. E é aí que mora o perigo. Nos primeiros anos após a redemocratização, a convivência entre os poderes Executivo e Legislativo foi marcada pelo normal e necessário processo de negociação política. Era uma relação razoavelmente equilibrada.

Entretanto, entre 2005 e 2017, tivemos os escândalos do Mensalão e do Petrolão, o impeachment de Dilma Rousseff e duas tentativas de afastamento de Michel Temer. Esses fatos em sequência foram responsáveis por gerar um desequilíbrio nessa relação em favor do aumento de poder do parlamento. E, no atual mandato, a situação chegou a níveis nunca antes vistos.

Diante da ameaça de impeachment, o presidente optou por entregar anéis e dedos ao Centrão. Com o Orçamento secreto, abriu-se a temporada de escândalos na execução das emendas parlamentares. Em uma atitude típica de um capo de máfia italiana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, controla a distribuição desses recursos com mão de ferro, sendo um instrumento para viabilizar sua reeleição ao cargo e alcançar um poder ainda maior.

Não à toa criou um grupo para colocar em discussão a proposta de semipresidencialismo. Mesmo que se possa defender tal modelo com base na experiência existente em algumas democracias europeias, é evidente que o real motivo é ampliar ainda mais a transferência do centro de poder do Executivo para o Congresso Nacional.

Outro exemplo das mudanças que fragilizam a democracia é a PEC aprovada pela Câmara Federal em setembro de 2021, alterando profundamente o Código Eleitoral e, agora, está prestes a entrar em votação no Senado. Com o argumento de que essa legislação precisa ser atualizada, estão sendo gestadas verdadeiras aberrações, tais como: permite a utilização dos recursos do fundo partidário, que é dinheiro público, para pagar qualquer tipo de despesa, inclusive multas; cria a possibilidade de parcelamento em até 60 meses dos valores a serem restituídos pelos partidos em casos de aplicação irregular; desobriga o detalhamento da prestação de contas de gastos partidários com pessoal; reduz a transparência eliminando a obrigação atualmente existente de prestação de contas durante as campanhas eleitorais via sistema próprio da Justiça Eleitoral; estabelece que a devolução de recursos públicos usados irregularmente pelos partidos ocorrerá apenas "em caso de gravidade"; revoga os crimes do dia da eleição, como o uso de alto-falantes, comício ou carreata e boca de urna.

Enfim, é uma tragédia. A essas medidas somam-se aquelas já adotadas na minirreforma eleitoral de 2021, com destaque para as seguintes: redução drástica no número máximo de candidaturas que os partidos podem apresentar, criando uma enorme vantagem competitiva para quem já tem mandato e dificultando o processo de renovação do parlamento; o vergonhoso aumento nos valores destinados ao fundo eleitoral; descriminaliza o transporte irregular de eleitores, tão comum nas periferias das regiões metropolitanas e no interior.

O Congresso Nacional tem uma imagem muito negativa, como revelam diversas pesquisas de opinião. Para a maioria da população, ali é um antro de corrupção e privilégios, o que acaba reforçando o ceticismo e provocando o aumento da abstenção e dos votos nulos ou brancos. Sem contar o fato, já comprovado, que a imensa maioria das pessoas não se lembra em quem votou nas eleições imediatamente anteriores.

Assim, cria-se um círculo vicioso, onde as pessoas honestas e competentes que se enchem de coragem para encarar o desafio de uma campanha eleitoral acabam sendo confundidas com a parcela de parlamentares responsável pela imagem negativa da instituição, abrindo espaço justamente para os candidatos que, apoiando-se em práticas não republicanas para a conquista do voto, acabam sendo eleitos ou reeleitos.

Ao constatar tais movimentos e atitudes, é imprescindível que comecemos a prestar muita, mas muita atenção mesmo, à eleição do Legislativo. Ali estão concentradas as principais decisões que interferem diretamente na vida do cidadão e nos pilares do Estado de direito democrático. Por isso, inspirado em Carville, afirmo: "É o parlamento, estúpido!".

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