PAULO REBELLO - Diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
São muitos os desafios para melhorar o acesso à saúde no Brasil, mas, qualquer que seja o caminho, é preciso estruturá-lo por meio da colaboração de todos os agentes do sistema, desde os usuários, profissionais de saúde e laboratórios farmacêuticos, até os gestores de hospitais, operadoras e membros do serviço público. Afinal, cuidar da vida é um objetivo comum, que demanda colaboração, interesse e envolvimento coletivo.
Um conceito que tem sido bastante discutido como estratégia eficaz para a promoção da saúde é o triple win, ou seja, ganho triplo. Ele significa estabelecer uma relação bem-sucedida entre os três principais elementos do ecossistema de saúde: o paciente, a indústria farmacêutica e o sistema em si, seja ele público, na figura do SUS, seja privado, que no Brasil acontece por meio das operadoras de planos de saúde, sob regulação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Mas, para que o triple win se torne uma realidade, um de seus pilares deve estar calcado na prevenção. Precisamos de um esforço contínuo para melhorar as atuais políticas públicas em saúde, transformando-as em mecanismos que coloquem o indivíduo como usuário de um sistema que fortalece as ações de prevenção e promoção de saúde. É a mudança do modelo de assistência ao beneficiário passando a ênfase para a saúde e não para a enfermidade.
Se conseguirmos evoluir para um modelo centrado no paciente, nas suas reais necessidades, valorizando os desfechos que realmente importam para ele, fica mais fácil conseguirmos alinhar as expectativas de todas as partes interessadas. Sabemos que, atualmente, a sociedade como um todo se mostra cada vez mais suscetível a enfermidades. A carga de doenças, novas ou crônicas, cresce de forma significante. A consequência disso é a necessidade ainda maior de utilização do sistema de saúde, privado e público. O que aconteceu com a covid-19 foi uma demonstração do perigo que é ter um sistema sobrecarregado.
Por isso, temos falado também em saúde populacional, um conceito cujo foco é influenciar determinantes sociais que afetam desfechos clínicos. Essa ideia se apresenta como outro caminho possível, intrínseco ao triple win, para uma transformação sustentável, com a redução no impacto das doenças crônicas, queda na utilização inadequada do serviço de saúde e promoção de melhor qualidade de vida. É uma abordagem extremamente benéfica ao paciente, pois o coloca no centro das tomadas de decisão, vantajosa para o poder público, que consegue reduzir índices de doenças, e lucrativa para a indústria, que se beneficia com a introdução de um medicamento com rapidez e escala.
Não é nenhuma novidade, mas precisamos reforçar: a Atenção Primária à Saúde é dever de todos que desejam construir um modelo mais colaborativo. A sociedade precisa entender como funciona a jornada do paciente, o que é o SUS e que ele vai além do pronto-socorro, do hospital e das vacinas. Para isso, é necessário reduzir barreiras e promover o diálogo e a cooperação, ou seja, nova forma de concorrência colaborativa.
Por isso, na ANS, existe o objetivo de estimular as operadoras e planos para que repensem a organização do sistema de saúde, a fim de que eles possam contribuir para instituir um modelo de atenção integrada. Induzir a adoção de boas práticas por meio de uma lógica baseada em atenção e cuidado gera ganho para todos. Um aspecto positivo que a pandemia de covid-19 nos mostrou foi a relevância das parcerias. Vimos a importância da indústria dentro desse sistema com o desenvolvimento de vacinas e tratamentos, e como o bom relacionamento com o poder público pode acelerar e garantir o acesso da população a essas inovações.
Agora, temos que aprender com essas parcerias que trouxeram tantos benefícios para a sociedade, não só no Brasil, mas em nível mundial. É essencial que a população tenha acesso a medicamentos, terapias e novas tecnologias por meio de análises técnicas de incorporação de tecnologias com análise de custo, efetividade e desfecho clínico, afinal saúde não tem preço, mas seu custo é arcado por todos. Nossa maior missão como agentes ativos do sistema de saúde é tornar esse acesso perene e sustentável para que a população brasileira usufrua de forma plena o direito à saúde, dentro das reais possibilidades de nosso povo.