Nunca uma parcela tão expressiva da população brasileira esteve em situação tão vulnerável quando o assunto é alimentação como agora. Dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup apontam que o índice de pessoas no país em insegurança alimentar saltou de 17%, em 2014, para 36%, em dezembro de 2021. Pela primeira vez, desde 2006, quando o estudo começou a ser feito, essa taxa supera a média mundial, de 35%. Foram feitos 125 mil questionários em 160 nações.
A realidade é alarmante, avisa o economista Marcelo Neri, da FGV Social, que analisou todas as informações colhidas pelo Gallup. No Brasil, a insegurança alimentar afeta, principalmente, mulheres (47%) e pessoas entre 30 e 39 anos (45%), que, geralmente, têm mais filhos. Entre os 20% mais pobres, 75% responderam que havia faltado dinheiro para a compra de comida nos últimos 12 meses (e média global ficou em 48%).
O mais preocupante é que o levantamento não pegou a recente disparada dos preços dos alimentos, decorrência da guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Ou seja, a tendência em relação à insegurança alimentar é de piora. Outro dado a ser considerado: no ano passado, o governo pagou, ao longo de meses, o auxílio emergencial, ainda que em valores menores. Nem esse programa de renda, criado durante a pandemia da covid-19, foi suficiente para amenizar a situação das famílias.
Diz Marcelo Neri: "A insegurança alimentar mais elevada tem efeitos de longo prazo preocupantes, por causa do maior número de crianças envolvidas e da desnutrição entre elas". O país, portanto, está abandonando as próximas gerações e as condenando a viverem na pobreza, no subemprego e com renda insuficiente para necessidades básicas. Não há como se falar em desenvolvimento sustentado com uma população tão desassistida.
Também chama a atenção nos dados da Gallup analisados pela FGV Social o aumento impressionante da desigualdade na insegurança alimentar. Entre os 20% mais pobres no Brasil, o nível é próximo ao de países com as maiores taxas, como o Zimbábue, onde 80% das pessoas não têm comida suficiente. Já os 20% mais ricos apontaram queda, para 7%, ficando pouco acima da Suécia, país com menos insegurança alimentar.
Diante desse retrato cruel, o próximo presidente do Brasil terá a importante missão de reverter a pobreza e levar alimentos à mesa dos brasileiros. A política econômica a ser executada terá de ser inclusiva, o que significa retomar o crescimento da produção e do consumo, gerar empregos de qualidade, controlar a inflação, baixar juros, ampliar a oferta de crédito, incentivar o empreendedorismo e melhorar a educação.
A cinco meses das eleições, infelizmente, nenhum dos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de votos apresentou, claramente, suas propostas para tornar o Brasil um país mais justo. Tudo, até agora, são discursos vazios, flertes com o populismo e incentivo à radicalização política, o que eleva a desconfiança dos agentes produtivos e empurra a economia ladeira abaixo, o caminho mais fácil para o caos social. Não é o que o Brasil merece. Muito pelo contrário.