Rodrigo Pacheco — Presidente do Senado Federal
Os artigos 1º e 2º da Constituição Federal são concisos, mas guardam entre si conceitos oriundos de um longo processo de evolução histórica. Ambos resgatam doutrinas que se opõem ao autoritarismo, e, atualmente, que representam características de nações civilizadas. O artigo 1º define que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. Já o artigo 2º determina que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deverão ser harmônicos e independentes. Desses conceitos, quero me ater à interligação entre democracia e harmonia entre os poderes com o objetivo de reafirmar esses valores constitucionais como imperativos da proteção dos direitos e das liberdades da população.
Na Grécia Antiga, o incômodo com o governo tirânico deu origem a um novo regime, que foi chamado de democracia. De início, cumpre falar da etimologia da palavra democracia, que significa, em grego, poder político (kratos) do povo (demo). O conceito do que é um governo democrático não é único e passou por um amplo desenvolvimento ao longo da história para chegar ao conceito que hoje entendo mais adequado, o de democracia constitucional.
Em poucas palavras, podemos dizer que, na democracia, o titular do poder soberano é o povo, que o exerce diretamente (democracia direta) ou por meio de seus representantes eleitos (democracia representativa). A democracia constitucional adiciona ao conceito de soberania popular a necessidade de que sejam respeitados os direitos fundamentais, sobretudo os direitos das minorias, e de que o poder seja limitado pela Constituição.
A limitação do poder, no nosso sistema constitucional, dá-se pela separação dos poderes, que devem atuar com independência e harmonia. Assim como nasceu a democracia, a teoria da separação dos Poderes também foi desenvolvida em oposição ao autoritarismo. Locke e Montesquieu são os idealizadores modernos dessa teoria cujo objetivo era impedir o poder sem limites. Tal sistema determina que os depositários do poder do Estado tenham algum nível de harmonia e cooperação, além de estabelecer mecanismos recíprocos de controle (sistema de checks and balances).
Atualmente, estamos vivendo uma espécie de crise de confiança nas estruturas de poder. Trata-se de um fenômeno mundial, é verdade, mas que deve preocupar a todos os cidadãos brasileiros. Nesse contexto da vida nacional, é papel de todos e, principalmente, dos agentes políticos, robustecer a nossa democracia constitucional. Isso porque o sistema democrático é o único regime político que propõe soluções legítimas e institucionalizadas para os conflitos políticos e sociais. Na sociedade democrática, a solução dos dissensos possuem regras e limites claros, estabelecidos na Constituição.
As instituições devem funcionar como verdadeiros fatores de estabilização das tensões políticas para garantir valores caros às democracias modernas, como o processo eleitoral, atual foco de questionamento. Não há motivo razoável ou justa causa para se contestar a lisura do processo eleitoral. A modernização tecnológica veio para sanar as fraudes nas eleições baseadas no voto de papel, superando práticas como o voto de cabresto e o abuso do poder econômico. As mudanças promovidas pela Justiça Eleitoral a partir da redemocratização, sobretudo com o advento das urnas eletrônicas, conferiu ao processo eleitoral mais confiabilidade e transparência, o que é motivo de orgulho para nosso país.
Todos nós, cidadãos brasileiros, temos a missão de evitar o que se tem chamado de erosão democrática e, dessa forma, garantir que não haverá retrocesso civilizatório em nossa nação. O caminho oposto leva ao autoritarismo, à restrição de liberdades e à aniquilação de direitos. Não queremos isso. Lutamos contra isso para chegarmos ao que somos hoje. Uma democracia jovem, é verdade, mas que já mostra sua resiliência e força. O caminho para preservar os direitos fundamentais, impedir o poder ilimitado e assegurar a estabilidade nós já sabemos.
Vamos confiar na legitimidade dos nossos Poderes, que atuam dentro de suas funções independentes e previstas na Constituição. Vamos conservar as relações harmônicas entre eles, priorizando o diálogo. Respeitemos os mecanismos de contenção que são usados dentro das balizas constitucionais. Devemos, por fim, assegurar a higidez do processo eleitoral, com eleições periódicas, cujo resultado legítimo e confiável deve ser apurado pela Justiça Eleitoral por meio das urnas eletrônicas.
Reafirmo que a democracia não está em risco, pois nós temos instituições sólidas que estão em busca do equilíbrio institucional por meio de um pacto republicano. A harmonia entre os Poderes é essencial para que possamos preservar a democracia e o Estado de Direito, garantir as eleições gerais em outubro de 2022 e avançar em busca do país cada vez mais civilizado que queremos e merecemos.