Em mais uma semana marcada por flagrantes de injúria racial na arquibancada no empate entre Boca Juniors e Corinthians no estádio La Bombonera, em Buenos Aires, e denúncias partindo de dentro do gramado do Beira-Rio no episódio envolvendo o volante Edenilson e o lateral-direito Rafael Ramos no Brasileirão, chamo a atenção para a cruzada quase solitária de um campeão da Copa do Mundo, da Euro e da Copa das Confederações por questões relacionadas a igualdade, imigração e racismo.
Aos 50 anos, o negro Lilian Thuram, nascido no território ultramarino francês de Guadalupe, no Caribe, escolheu ir na contramão de colegas badalados como ele depois da aposentadoria. Enquanto Zidane, Blanc, Deschamps e Vieira optaram pelo caminho natural de trocar o par de chuteiras pela prancheta de técnico, o ex-lateral e zagueiro do Monaco, Parma, Juventus e Barcelona inaugurou a Fundação Educação contra o Racismo. O projeto conscientiza jovens sobre a importância de denunciar qualquer gesto ou ato de racismo.
Thuram também tabela com as letras. É escritor. Autor do livro La Pensée Blanche (Pensamento Branco). "Tento explicar que o racismo é uma isca, um engano, uma ideologia a serviço do sistema capitalista", explica. Denuncia a desigualdade e apresenta o esporte como ferramenta relevante no combate.
Convida ao debate com posicionamentos fortes. "No futebol, há menos racismo do que na sociedade, o futebol é uma metáfora da vida, você não sabe o que vai acontecer", argumenta. E desafia o esporte mais popular do mundo. "Futebol é política e não pode ficar alheio ao mundo ao seu redor porque pode ajudar a mudar a sociedade."
O discurso do ex-jogador não poupa as potências europeias nem os líderes mundiais. "Não há colonialismo sem racismo e o que ele levou, acima de tudo, foi à violência. Eles sabem, mas não vão admitir", confronta o intelectual.
O camisa 15 da França na Copa de 1998 também escreveu Mis Estrellas Negras (Minhas Estrelas Negras) sobre as personalidades que mais contribuíram na luta contra o racismo e Manifeste pour l'Égalité (Manifesto pela Igualdade), um ensaio no qual aborda diferentes formas de discriminação.
Engajado, Thuram não se cansa de avisar: "Acho que as pessoas não entendem o motivo do racismo. Não é um confronto entre pessoas de cores diferentes, é uma ideologia política que está ligada à do mundo capitalista. Quero dizer que o racismo vem legitimar a violência econômica do mundo. É por isso que, quando você analisa a escravidão e a colonização, você tem que saber que são sistemas econômicos. Quando você quer explorar as pessoas, você tem que instalar um discurso, dizendo que elas não são como você, que são inferiores e, portanto, exploráveis", combate Thuram — um aposentado craque fora da caixinha que escolheu ir além de gestos e midiáticas hashtags como #vidasnegrasimportam.