Editorial

Visão do Correio: Condomínios da miséria

Não é preciso recorrer a indicadores econômicos para constatar o aumento significativo da pobreza extrema no Brasil. O retrato dessa realidade cruel está em cada esquina dos centros das nossas grandes cidades. Cada dia mais, moradores em situação de rua se amontoam nas calçadas, gramados de praças e sob viadutos, onde armam suas barracas ou simplesmente forram o chão com lona, papelão e uns trapos de cobertor. Ali vivem até que alguém ou algum órgão público os enxote e tenham de procurar um novo abrigo em outro endereço.

Não é uma realidade da cidade A ou B. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Brasília e qualquer outra metrópole do país estampam o mesmo cenário. Em BH, por exemplo, quem caminha por uma grande avenida como a Afonso Pena, que corta o Centro da cidade, não deixa de passar por pessoas deitadas no chão em sua 'casinha' improvisada. Se uma loja está sem funcionar, aí é que o espaço em frente é tomado por mais e mais pessoas, parecendo uma espécie de condomínio da miséria. Debaixo de viadutos, a situação se torna ainda mais chamativa. O complexo de viadutos no Bairro da Lagoinha, na região central de BH, é hoje um aglomerado de moradores de rua, espalhados em várias barracas de lona.

No Distrito Federal, a situação não é diferente. Taguatinga, Ceilândia, Planaltina, asas Sul e Norte e o Sudoeste são os locais com maior incidência de pessoas vivendo ao relento. Reportagem do Correio Braziliense de meados do ano passado já mostrava que o drama social aumentava de forma assustadora. Segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Social, havia, em agosto de 2021, 2.303 moradores em situação de rua no DF, número 17,5% maior que em 2020. Importante destacar que especialistas consideram que esses números podem estar defasados. Reportagem do Estado de Minas de julho do ano passado mostrava que, na capital mineira, havia cerca de 8 mil pessoas vivendo nas ruas — população maior que em 450 cidades do estado.

O crescimento da população em situação de rua coincide com o período da pandemia e também com a piora dos indicadores econômicos, que tem jogado mais pessoas na condição de pobreza extrema. Mas essa é uma chaga social antiga e que, no Brasil, parece não ter uma solução no horizonte. Há, sim, iniciativas pontuais de prefeituras no sentido de minorar o problema, mas não existe uma política pública em nível nacional ou estadual que pense em medidas de acolhimento dessa população vulnerável. Acolhimento no sentido mais amplo: dando abrigo, assistência, oportunidades de emprego e moradia para que possam sair das ruas. Estamos às vésperas da eleição e não vemos ainda propostas concretas para melhorar a vida das pessoas em situação de rua.

Nesta época de frio intenso nas regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste, o sofrimento das pessoas que vivem nas ruas é ainda maior. Ignorados pelo poder público, só lhes têm restado contar com a solidariedade de setores da sociedade para ter um alento nas noites geladas. De imediato, eles precisam de abrigo, agasalho e alimento. Mais que isso: precisam que olhemos para eles, que não sejam tratados só como um obstáculos no canto da calçada.

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