ELEIÇÕES

Artigo: As asas de cera se derreterão no calor da opinião pública

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS - General de Divisão da Reserva

A antiga expressão "o mundo gira e continuará girando" deixa a sensação de que a repetição de erros é parte da natureza indomável que impõe um destino inevitável aos homens. Não quero provocar discussão política ou filosófica sobre o determinismo histórico, mas tentar corroborar as máximas que asseveram ser inteligente olhar o passado para desfrutar o futuro.

Esta semana, reli a obra de Oliveira Lima, O Império brasileiro (Avis Rara, 2021), e me deliciei com o mundo girando, revelando como somos o passado no presente. O livro captou o período imperial pelo olhar do observador postado ao final conflitivo daquele século e destacou o relacionamento do Império com instituições, ideias e elementos sociais.

Como estamos imersos em uma temporada de agitações políticas, econômicas, militares e psicossociais, muitas das informações formuladas por Oliveira Lima parecem nos vestir, sociedade brasileira, com justeza. Ao tratar das relações entre a coroa e os partidos políticos, iluminou a hipocrisia das agremiações e revelou a infidelidade sem rubor na busca de manter-se acomodado ao lado do poder.

Disse Oliveira: "Em certas democracias acontece, por vezes, notar-se ausência de partidos políticos". Na fotografia de agora, desbotada como se nada houvesse mudado, esses agrupamentos não se desgastam para representar opiniões e aspirações, doutrinas e tradições, ao contrário, se transformaram em simples agregados de clãs patrimonialistas, organizados para a exploração em comum das benesses do poder.

Eles sabem que as condições sociais do país, cujo povo é por vezes destituído de conhecimento político — e não pode mesmo possuí-lo, pois sem educação maciça jamais o alcançará —, proporciona as ciladas eleitoreiras, facilmente dissimuláveis, a cada nova ronda pelo voto.

Afirmou o historiador: "O detentor do poder galga posição com a ajuda dos esforços de um grupo ou das intrigas de uma facção [...] uma vez instalado e dispondo dos favores e graças ao Estado, a unanimidade tende a formar-se ao redor dele".

Observe o preenchimento dos cargos valorosos de nossa República do século 21 e logo identificará os camaleões profissionais que nunca estão fora do poder. Recitam com veemência, para jamais se olvidarem: o rei morreu, viva o rei! E seguem na corte.

Quando abordou o papel das assembleias, Oliveira Lima destacou o imperativo de que elas deviam se manter dentro dos próprios limites, quando seriam a defesa mais eficaz dos direitos do cidadão e o maior obstáculo à aparição da tirania. Dom Pedro II era um homem reconhecidamente liberal, ainda assim o desconforto da autocracia se fazia presente.

O autor reafirmou a teoria de Montesquieu sobre os limites e separação dos poderes do Estado, e a simples e eficaz regra dos freios e contrapesos. Proposição nunca fora de moda, mesmo passados mais de dois séculos.

Estamos desequilibrados no Brasil neste momento. As liturgias geradoras do respeito entre Poderes se perderam pelo caminho. Seus agentes se desqualificam por egos inflados. As asas de ceras com as quais esses personagens esperam chegar ao Sol, logo se derreterão pelo aquecimento da opinião pública. Como Ícaro, cairão no mar e fenecerão afogados no descrédito da população.

Quando tratou do movimento abolicionista, afirmou que as Forças Armadas emprestaram o prestígio das suas fardas à causa, enquanto, sem se aperceberem, foram enodoadas perigosamente com cores políticas. Quase 130 anos depois, lideranças de causas justas e injustas continuam tentando tragar as Forças Armadas ao centro da peleja política, para auferirem vantagens da honorabilidade da farda. Como naquele momento crucial do Império, o estamento militar precisa buscar medalhas de honra e isenção, bordadas com valores e tradições. Estou certo de que o farão.

Afiançou a decência do Imperador Pedro II: "Não fosse tão honesto, poderia angariar com favores, dedicações interesseiras entre os chefes militares e indispô-los, uns contra outros, pela inveja daqueles favores". Não se deve usar de sinecuras, ainda que legais, para corromper corporações que servem ao Estado, atiçar seus membros uns contra os outros e obter benefícios pessoais ou poder extralegal para decidir. Se o fazem, os senhores próceres da nossa República atentam primeiro contra a sociedade.

Oliveira Lima trouxe muitos outros enfoques. Desde então, o mundo continuou girando. Instigantes e atuais, suas teses serviriam de manuais aos nossos gestores para conduzir o país. Se vão lê-las, não sei. Independentes dos condottieres, esperemos que a roda, girando inexoravelmente, nos leve por rumos menos desalentadores. Paz e bem!

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