preconceito

Artigo: LGBTFobia, crime e política de governo

FÁBIO FÉLIX - Deputado distrital

A política do ódio de Bolsonaro acionou diversos gatilhos de violência, como uma autorização ao preconceito e ao desprezo que muitos escondiam. Por isso, a decisão do STF, segundo a qual a lei que criminaliza o racismo também protege a comunidade LGBTQIA , foi tão importante: demarcou, com firmeza, que discriminar pessoas por orientação sexual ou identidade de gênero está fora do campo tolerável. Mas, assim como o racismo persiste há décadas desde sua criminalização, a decisão não acabou com a opressão contra as pessoas LGBTQIA . A partir do Planalto, a homofobia hoje é diretriz de política do governo federal.

Primeiro, impediram qualquer produção cultural que tivesse por conteúdo o retrato de pessoas LGBTQIA ou fossem voltadas a esse público. Por decisão de Bolsonaro, trabalhadores e trabalhadoras da cultura perderam oportunidades profissionais simplesmente por serem quem são. Um edital do Ministério da Cultura que selecionaria produções nacionais de séries em 2019 foi cancelado, declaradamente pelo fato de ser voltado para esse público. O secretário de Cultura de então foi exonerado, assim como o diretor de marketing do Banco do Brasil, demitido em razão de uma publicidade do banco voltada para o público jovem e pessoas LGBTQIA . O setor cultural, fonte de emprego e renda para muitas LGBTQIA , sufocou.

O desmonte da saúde pública que Bolsonaro promoveu atingiu, também, políticas muito importantes para as LGBTQIA . O programa brasileiro de combate ao HIV/Aids, premiado internacionalmente, foi um dos mais atingidos. Todas as campanhas de comunicação do Ministério de Saúde sobre o tema, que serviam como referência para estados e municípios, foram canceladas. Bolsonaro já disse que "a pessoa [com HIV] vive na vida mundana, depois vai querer cobrar do poder público um tratamento que é caro", e que quem vive com HIV é um problema pra sociedade, pois é "uma despesa".

O vírus HIV não escolhe os hospedeiros por orientação sexual ou identidade de gênero, mas a falta de campanhas voltadas diretamente para as LGBTQIA nos deixa mais vulneráveis ao estigma que o vírus ainda faz recair especialmente sobre essa comunidade. Durante a pandemia, o presidente reforçou o estigma da doença para desincentivar a população a se vacinar, mentindo que havia estudos a indicar que as vacinas provocavam Aids. Mesmo com o tratamento altamente eficaz, seguro e confortável, disponível há décadas no SUS, a Aids continua matando.

Mas é na educação que a LGBTFobia transformada em política pública tem impactos mais nocivos. Bolsonaro estimula os preconceitos e reforça a ilusão de que seria possível, à força, "curar" a homossexualidade ou transgeneridade. Paranoico, tenta sufocar do espaço escolar qualquer referência à sexualidade ou aos papéis de gênero. Até hoje não se sabe qual política pública para expandir o acesso e a qualidade da educação brasileira foi proposta pelo fugitivo então ministro Abraham Weintraub, mas cansamos de ouvir seu compromisso com o combate a "Paulo Freire e kit gay".

Sucessor de Weintraub — o pastor que anda armado — Milton Ribeiro disse que adolescentes "optam" pelo homossexualismo porque vêm de "famílias desajustadas". De tão repulsiva, a frase obrigou até o procurador-geral da República, Augusto Aras, conhecido pela complacência com o alto escalão do governo federal, a reagir, com uma denúncia ao STF por homofobia.

É óbvio, mas importante afirmar: crianças e adolescentes LGBTQIA , ainda que sejam incapazes de nomear seus afetos, sabem que são diferentes. Via de regra, a primeira injúria ou agressão física homofóbica acontece antes que essa compreensão seja possível. É preciso enfrentar os preconceitos com informação, inclusive sobre sexualidade humana e os papéis sociais de gênero, especialmente nas escolas. Não só para que se tornem espaços menos violentos para as LGBTQIA , mas para que a educação capacite todas as crianças e adolescentes a compreender e respeitar a si mesmos e aos outros.

Nas visitas que fiz às escolas da rede pública do DF, vi que as estudantes LGBTQIA , mesmo sofrendo violências e preconceitos, estão convictas a não voltar pro armário. Negociar nossas existências não é uma opção. Por isso, derrotar Bolsonaro nas urnas este ano é questão de sobrevivência, e o primeiro passo para que ele responda por seus crimes contra a população brasileira e contra nós LGBTQIAs.