O Ministério da Saúde ampliou o prazo de sigilo sobre seus estoques, numa clara falta de sintonia com a transparência que deveria prevalecer no setor público. O segredo, em vigor desde 2018, acabaria em 2023, mas a pasta chefiada por Marcelo Queiroga se antecipou sob a alegação de que os dados referentes à quantidade de medicamentos em poder do Sistema Único de Saúde (SUS) podem ser usados pela indústria farmacêutica para especular com os preços. Ou seja, ampliar seus ganhos em cima do governo ao cobrar valores mais altos para suprir o que está em falta ou em baixo volume.
Mais de 70% de todos remédios comercializados no país são arrematados pelo SUS. Ao impedir a sociedade de saber como está a gestão desses produtos, se estão vencendo ou não, o ministério abre caminho para a corrupção e o desperdício. Vale lembrar que, ao longo da pandemia do novo coronavírus, descobriu-se uma série de perdas com medicamentos, vacinas e testes, entre outras mercadorias. Não só se rasgou dinheiro público, como se deixou de atender a contento a população. Tudo foi parar no lixo, quando deveria ter abastecido os hospitais.
O termo de classificação estendendo o sigilo sobre os estoques do Ministério da Saúde foi assinado pelo general aposentado Ridauto Fernandes, diretor de logística da pasta. E vai na linha do que se tornou rotina no governo: carimbar como segredo de Estado informações básicas por até 100 anos. A lista inclui, por exemplo, o cartão corporativo da Presidência da República e até um processo aberto pelo Exército para investigar a má conduta do general Eduardo Pazuello. Caberá ao próximo governo acabar com essa aberração.
Chama a atenção o fato de a onda de sigilos sobre informações que deveriam ser públicas ocorrer quando se comemora os 10 anos da Lei de Acesso à Informação (LAI), que foi aprovada pelo Congresso depois de uma década de debates. A burla à legislação se acentuou nos últimos três anos e meio, minando um importante pilar da estrutura da democracia, que é a transparência. Os cidadãos têm o direito de saber como estão sendo aplicados os recursos que eles pagam por meio de impostos. É dever de todos os governantes respeitar esse direito básico, não passar por cima dele.
É possível dizer que, com os retrocessos atuais, o quadro que se tem hoje é semelhante ao que se via antes da Lei de Acesso à Informação. Naquele período, era complicado saber como o Orçamento era gerido e como a sociedade estava sendo ludibriada. O mesmo se repete agora com o tal Orçamento secreto, em que, com o beneplácito do Palácio do Planalto, deputados e senadores repartem bilhões em verbas públicas sem que a população tenha a menor noção do que está sendo feito. O descaso com a transparência é tanto, que o Congresso se recusa a informar os dados ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Não se espantem se, mais à frente, informações como os salários dos servidores forem retirados do Portal da Transparência, passando a ser tarjados como sigilosos. Ou que as autoridades sejam desobrigadas de darem luz às suas agendas. A intenção daqueles que defendem os retrocessos é justamente se manterem nas sombras, sem serem incomodados. Os grandes perdedores, como sempre, serão os que mais precisam do poder público, os que vivem em situação de vulnerabilidade, os invisíveis. Jamais verão a cor do dinheiro que deveria lhes dar dignidade.