A passagem de outro 13 de maio deveria ser mais uma oportunidade para novas reflexões sobre políticas públicas para combater as desigualdades étnicas, sociais e econômicas que persistem no Brasil. Como se sabe, o país foi o último do Ocidente a abolir a escravidão, basicamente, por causa da pressão da Inglaterra pelo fim do tráfico negreiro, o que deixa evidente o ato burocrático da princesa Isabel já nos estertores da monarquia. O que poderia ter sido uma solução louvável para eliminar uma tragédia que hoje dura cinco séculos, acabou criando novos tipos de exploração, seja pelo trabalho análogo à escravidão, seja pela segregação e pela violência, tudo consequência de um grande drama mal resolvido que se arrasta há 134 anos após a abolição. E não se vislumbram melhorias no horizonte nem mesmo de longo prazo, se se considerar que o atual Executivo federal nada fez neste sentido, pelo contrário, não adota medidas nem mesmo eleitoreiras, tamanho o desdém com que trata a questão.
Os escravos foram libertos sem terras, sem moradia, sem escola, sem emprego, ou seja, sem qualquer apoio ou qualificação, sem nada. A pretensa liberdade criada pela Lei Áurea, na verdade, originou nova marginalização. Como se não bastasse a falta de condições socioeconômicas, a "ideologia" racista seguiu incólume ao longo destas 13 décadas, apenas acossada por uma legislação punitiva, mas sempre mostrando suas garras no cotidiano, como vemos a cada dia. A maior parte da população afrodescendente segue morando em favelas, com acesso infinitamente menor do que a população branca à educação, à saúde e ao trabalho.
Com o distanciamento no tempo, percebe-se que não houve vontade real de libertação naquele 13 de maio de 1888. Não foi feita a distribuição de terras necessária que transformaria grandes latifúndios em pequenas propriedades, por exemplo. Uma das causas das desigualdades foi a falta de reforma agrária, que poderia ter minimizado as brutais injustiças que se arrastam até hoje. Em 1850, dom Pedro II já tinha tomado decisão errada ao assinar a chamada Lei de Terras, que dividiu o Brasil em latifúndios e não em pequenas propriedades. A Lei de Terras serviu para latifundiários recorrerem ao governo e até aos tribunais para aumentar suas propriedades.
O baiano André Rebouças (1838-1898) foi o primeiro engenheiro negro formado pela Escola Militar. Era monarquista e abolicionista. Ele chegou a propor a criação de um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuição de terras para ex-escravos. A ideia teve apoio imediato de outro nome ilustre, Joaquim Nabuco (1840-1910), então abolicionista e, mais tarde, arrependido. Mas fazendeiros, republicanos e até abolicionistas ficaram assustados com a proposta, além dos latifundiários, é claro.
A reforma agrária e um consequente imposto, como queria Rebouças, eram objetivos apenas de uma minoria. Não saiu das boas intenções. O que prevaleceu de fato foi a política de trazer imigrantes europeus para trabalhar nas grandes área de cultivo, a fim de compensar o fim da mão de obra escrava e, assim, não mexer nas propriedades rurais. As terras distribuídas gratuitamente na época não foram para ex-escravos e pobres, e, sim, para europeus. Estão aí as imensas colônias europeias para comprovar essa distorção. Enquanto a população afrodescendente segue marginalizada pelo poder público e pela sociedade branca, basta olhar as estatísticas socioeconômicas e criminais.
Todas as vezes em que se fala em reforma agrária e assentamentos, levantam-se as vozes contra a falácia da ameaça comunista e de suposto confisco de propriedade, enquanto terras improdutivas, que poderiam ser incluídas no rol das discussões envolvendo políticas governamentais e grandes latifundiários seguem paradas à revelia da miséria de milhões de brasileiros marginalizados e sem moradia. Uma desigualdade sem fim.
Saiba Mais