Para o abade francês Jean Meslier (1664-1729), o homem só se tornaria verdadeiramente livre quando o último monarca fosse enforcado nas tripas do último clérigo. Não é necessário ir tão longe, nem mesmo usar de tanta perspicácia e espirituosidade radical, para observarmos que nessa sentença, atribuída erroneamente ao seu conterrâneo Voltaire (1694-1778), há elementos suficientes que podem nos ajudar a começar a desconfiar que existe também, em nosso modelo de governo, um sério e nefasto fenômeno incrustado dentro da máquina do Estado e de suas instituições, que impede o gozo pleno de uma cidadania universal conforme estabelece, teoricamente, a própria Carta Magna.
Trocando-se os sujeitos dessa sentença por personagens mais condizentes com nossa realidade política atual, poderíamos dizer, parafraseando Meslier, que o brasileiro só se tornará verdadeiramente um cidadão quando o último oligarca corrupto for enforcado nas tripas do último juiz ou magistrado que ousou colocá-lo em liberdade. Obviamente que, nessa sentença, um tanto extremada para os dias modernos, iríamos substituir o termo "enforcado" por preso ou sentenciado exemplarmente.
Tal é a situação em que nos encontramos hoje quando somos obrigados a assistir, todos os dias, em todas as mídias possíveis, a verdadeira aberração que é um notório condenado e chefe de organização criminosa, acusado por desvios de bilhões de reais dos cofres públicos, e recém saído da prisão por uma decisão afrontosa às leis e à ética, em seu périplo pelo país, em frenética campanha para a eleição, falar em futuro para os brasileiros. Não há futuro algum para um país e, principalmente, para uma nação quando aqueles que se autodenominam "homens públicos" não passam de autênticas ratazanas, prontas para mais uma sessão de rapinagem, dado ao alto grau de impunidade em que vivemos.
A situação de elegibilidade alcançada por esse candidato, depois de centenas de interpelações e outras chicanas, permite-nos concluir que já não há mais justiça digna do nome, pelo menos contra a elite política e econômica desse país. Há, sim, um arremedo que funciona muito bem apenas contra aqueles que, com justiça, a criticam.
Como diz a deputada, espevitada, dessa mesma legenda que ousa lançar tal candidato: o que é isso? Respondendo a ela, diríamos: isso é o que nos é empurrado goela abaixo e que temos que engolir, mesmo reconhecendo ser venenoso, sob pena de virmos a ser objeto dos olhares da espada dessa Justiça pronta a cortar os sem colarinhos brancos.
Houvesse não justiça, mas apenas juízo na cabeça daqueles que mandam, haveria, de imediato, a instalação de uma Comissão Popular, digo, Parlamentar de Inquérito (CPI) a investigar o próprio Estado, colocando toda a República no banco dos réus. Não seria surpresa se alguém na plateia gritasse: parem o Estado Brasileiro que quero descer. Melhor descer na Estação da Luz, do que prosseguir nesse trem desgovernado e fora dos trilhos.