VENILTON TADINI - Presidente executivo da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib)
ROBERTO GUIMARÃES - Diretor de Planejamento e Economia da Abdib
Os gastos tributários — ou seja, os benefícios fiscais — são um instrumento de política pública consagrado e utilizado pela União, estados, Distrito Federal e municípios para incentivar determinada atividade econômica por um certo período de tempo. Por esse mecanismo, adotado por vários países desenvolvidos em mais de um momento de sua história, o governo abre mão de parte da arrecadação com o objetivo de apoiar uma indústria nascente, fomentar programas de inovação e tecnologia com o objetivo de estimular um determinado setor a se tornar mais competitivo. Para tudo isso, é preciso fixar prazos e metas bem definidos.
O Brasil é, particularmente, generoso na adoção desse mecanismo. A renúncia fiscal registrada no Orçamento de 2022 foi estimada pelo Ministério da Economia em R$ 371 bilhões. Isso representa cerca de 4% do PIB ou 20% dos tributos administrados pela Receita Federal. A renúncia pode ser ainda maior. Há uma série de gastos tributários com valores não identificados e sem informações confiáveis para cálculos mais precisos.
O que se discute aqui não é o princípio em si, mas os critérios de sua aplicação no Brasil. As desonerações federais atingem embarcações, aeronaves, equipamentos médicos, eventos esportivos e culturais, indústria cinematográfica, máquinas e equipamentos, produtos químicos, computadores para uso educacional, transporte escolar, defensivos agrícolas, álcool e biodiesel, telecomunicações em áreas rurais, táxis, setor automotivo e alguns outros. São centenas de programas, todos legais e baseados em justificativas técnicas razoáveis para sua aplicação.
Observa-se, porém, que, uma vez concedidos, os benefícios acabam se eternizando, e basta alguém falar em reduzi-los para que se ouçam vozes dizendo que os objetivos que justificaram sua criação ainda não foram alcançados. Os prazos iniciais, normalmente, são alargados e as contrapartidas sociais e tecnológicas que justificaram a medida nem sempre são cumpridas. Aquilo que deveria ser tratado como exceção acaba se tornando a regra e, no final, quem perde são o Tesouro e o contribuinte.
As desonerações prometidas geraram os empregos prometidos? Houve ganhos de produtividade a partir da adoção da nova tecnologia? Tudo isso precisa ser avaliado. Alguns pontos da discussão são delicados e precisam ser debatidos sem a influência de paixões e de impulsos ideológicos, mas apenas da relação entre o custo e o benefício de cada desoneração.
O acompanhamento detalhado de cada caso mostrará ao governo e à sociedade que grande parte dos benefícios já cumpriu seu papel. E que já passou a hora de retirá-los — para que os recursos fiscais decorrentes daquela atividade possam ser alocados em políticas públicas que gerem maior retorno econômico e social. Não é o caso de sugerir — e ninguém aqui tem essa intenção — que os gastos fiscais sejam eliminados de uma só vez e, com um único golpe, sejam interrompidos processos produtivos importantes e destruídos empregos especialmente vitais. A proposta é que o governo faça uma análise detalhada de cada caso. Isso permitiria a redução de benefícios de forma paulatina e não linear — sendo possível, inclusive, manter intactos alguns dos existentes. O efeito seria a liberação de recursos para investimentos capazes de gerar novos benefícios.
Imaginemos, por exemplo, que, num período de cinco anos, sejam eliminados 35% dos benefícios atuais. O efeito fiscal positivo dessa redução fica evidente num cálculo simples. Considerando-se os R$ 371 bilhões da renúncia atual e a redução gradual de 5% do valor a cada ano até que se atingissem os 35% propostos, o resultado seria de R$ 26 bilhões no primeiro ano. O valor subiria para R$ 52 bilhões no segundo, R$ 78 bilhões no terceiro, R$ 104 bilhões no quarto e R$ 130 bilhões do quinto ano em diante.
Com isso, em 10 anos, o Tesouro Nacional teria, com base nos números atuais da economia, cerca de R$ 1 trilhão adicional. Num cenário de crescimento, o valor seria ainda maior. O dinheiro poderia ser direcionado para a redução do deficit primário, para investimentos em infraestrutura e para a cobertura dos investimentos federais em projetos de PPPs que não oferecem retornos atrativos ao capital privado.
Essa é apenas uma forma de obter os recursos que o país necessita para romper com a inércia e voltar a crescer. Há outros caminhos — mas isso é uma outra história. De qualquer forma, a saída existe. Basta coragem técnica e política para encontrá-la.