ROSILENE COSTA - Mãe, professora e pesquisadora
Ainda hoje, muitas pessoas brancas se justificam como não racistas dizendo que têm uma mãe preta, geralmente, uma mulher que assumiu os cuidados da pessoa na infância. A mãe preta não era exatamente a profissional babá. Na maior parte dos casos, era uma mulher negra que assumia multitarefas nos cuidados de uma criança branca. Assim, a mãe preta permeia o imaginário brasileiro. Bondosa, pouco letrada, hábil na cozinha e sempre disponível.
Ao mesmo tempo, também está no imaginário a mãe preta irresponsável. Estamos falando da mãe preta daquela família desajustada, na visão de alguns, pois é chefiada por uma mulher. Em grande parte dessas famílias, a mulher sai para trabalhar e, como não há vagas em creches, ela deixa os filhos sozinhos ou com quem puder cuidar.
As vivências do cotidiano fazem com que os filhos dessa mãe preta, muitas vezes, apresentem dificuldades na vida escolar. Ela é chamada na escola e não vai, porque não pode faltar ao trabalho, então, é vista como desinteressada.
Quando os filhos dela se tornam adolescentes, a mãe preta, algumas vezes, é briguenta, porque quer mantê-los em casa. Ela teme a violência policial que mata e fere jovens negros em proporção quatro vezes maior do que jovens brancos. O medo da violência sexual surge, pois as meninas negras são 55% das vítimas de violência sexual no Brasil.
Assim, a mãe preta bondosa e sempre disponível das pessoas brancas acaba contrastando com a mãe preta negligente e beligerante das crianças negras.
Todos esses dados sempre fizeram parte de minha história e de meus estudos de professora e pesquisadora. Contudo, aos 41 anos de idade, a maternidade chegou para mim. Passei a sentir na pele o que as mães pretas vivem.
Meu filho nasceu em um hospital público. Busquei o pré-natal também na rede pública. Foi quando senti as primeiras mazelas do racismo. Uma mulher negra de 41 anos que nunca havia engravidado e que havia planejado a gravidez destoava da narrativa habitual. Assim, já no pré-natal, a violência obstétrica estava instalada: julgamentos, desconfianças e informações nunca oferecidas. O privilégio de ter passado alguns anos nos bancos escolares minimizou meu sofrimento pessoal, mas a estrutura racista estava ali no sistema de saúde.
Meu filho nasceu e, para encontrar pares, busquei grupos de mães nas redes sociais. Percebi que as narrativas da mãe preta bondosa e da mãe preta negligente também estavam ali. A maior parte das mulheres brancas com bebês recém-nascidos gozava de uma licença-maternidade maior, seja por trabalharem em locais que oferecem 180 dias de licença, seja por disporem de outras licenças que poderiam ser usadas. Ao mesmo tempo, algumas podiam abrir mão dos seus trabalhos para ficar com os filhos e, se não o faziam, contratavam babás (quase sempre negras) ou pagavam boas creches.
As mães negras, em sua grande maioria, voltavam ao trabalho após 120 dias. Não dispunham de vagas em creches, nem de babás especializadas. Lembro de uma mãe que deixava seu bebê de quatro meses com a bisavó de 79 anos e com movimentos limitados. Muitas acabavam desmamando seus filhos e ofertando mamadeira, sendo julgadas como descuidadas, logo ali nos primeiros dias da maternidade. Oferecer mamadeira não era descuido, mas ausência de informação no pré-natal, geralmente seguida de falta de condições de amamentar, tirar leite e ainda trabalhar no dia seguinte. Outra vez, a mãe preta bondosa (e a ama de leite agora) contrastava com a mãe preta negligente.
Vivemos o fenômeno das influenciadoras digitais que falam de maternidade real — narrativas válidas e importantes. Influencers negras também vêm se destacando. Apesar disso, a representação estereotipada da mãe preta ainda é forte no imaginário brasileiro.
As políticas de saúde e educação precisam olhar para a população negra, especialmente para as mulheres. A maternidade deve ser uma opção da mulher. Decidida pela maternidade, ela deve ter informações e condições mínimas para parir e cuidar do bebê.
A estrutura social, a pobreza e o papel dos homens na criação dos filhos devem ser considerados quando se rotula uma mãe como negligente. A violência, inclusive a policial, deve cessar para que as mães pretas tenham paz quando os filhos saírem de casa.
Precisamos olhar com mais empatia para a mãe preta de nossos dias, pois ela está lutando com as armas que tem contra um sistema patriarcal, machista e racista. Sistema que faz com que a mulher negra possa ser assimilada se estiver dentro do estereótipo de servidão e que a representa pejorativamente quando ela decide cuidar de seus filhos e construir os seus próprios afetos.