Não passa um dia sem que as manchetes dos noticiários locais tragam, em letras garrafais, notícias sobre a escalada da criminalidade e da violência na capital do país. Foi-se o tempo em que Brasília era uma cidade pacata, como muitas no interior do país, onde as ocorrências policiais, com raras exceções, eram fatos pitorescos. Esse tempo, perdido no longo corredor da memória, é ainda lembrado por muitos que conheceram a cidade nos seus primeiros anos de existência.
Os brasilienses observavam o Brasil a distância. A violência era, então, um problema que parecia afligir apenas outros estados, a centenas de quilômetros. No Plano Piloto, naquela época, a principal e mais populosa área urbana da capital, era comum os moradores deixarem os brinquedos das crianças e outros objetos debaixo dos blocos ou nos parquinhos próximos, assim como os carros abertos, uma vez que as ocorrências de roubos eram baixas, quase inexistentes. Andar pela cidade a qualquer hora do dia ou da noite era um prazer seguro e comum.
Essa espécie de paraíso de tranquilidade e paz durou, aproximadamente, até o início da chamada emancipação política da capital. De lá para cá, o clima citadino mudou de água potável para água contaminada, com a cidade se igualando e até superando muitas capitais do país quando o assunto é insegurança pública. A explosão demográfica e repentina experimentada pela capital não teve paralelo em outras partes do país.
Do dia para a noite, os políticos locais estreantes tomaram posse da cidade, fazendo dela o que seus colegas sempre fizeram em outras partes do país: basicamente usar a população para alcançar seus objetivos pessoais inconfessáveis. Sem ter o que oferecer aos seus novos eleitores, esses personagens da política local, muitos de triste memória, passaram a utilizar as áreas públicas, mesmo aquelas dentro de polígonos de preservação, como moeda de trocas políticas, dentro da lógica: um voto, um lote.
Deu no deu. A cidade, antes, meticulosamente planejada para atender as necessidades nacionais de administração, tendo sido, inclusive, por seus méritos arquitetônicos e urbanos, elevada, merecidamente, a patrimônio cultural da humanidade, um status de grande importância internacional, é, hoje, apenas mais uma cidade brasileira, cercada de miséria e de violência pelos quatro lados.
Por enquanto, as estatísticas oficiais apontam, a cada dia, mais de 40 ocorrências de roubos registradas na cidade. O número de quadrilhas, dada uma especializada em determinado nicho do crime, se multiplicam. Integrantes do temido PCC são vistos no Distrito Federal. O tráfico de drogas nunca lucrou tanto. Os casos de assassinatos e de latrocínio aumentaram assustadoramente.
Todos os dias, os noticiários locais apresentam o retrato de uma cidade em que a criminalidade avança sem parar. Não bastassem essas mazelas que, comumente, sempre atingiram outras partes do país, Brasília, lentamente, vai perdendo sua antiga qualidade de vida, substituída por uma modernidade que nada mais é do que o avanço da poeira e da confusão.
O abandono de superquadras inteiras tomadas pelas invasões de áreas públicas e por um número crescente de barracos de latas, que nascem e se multiplicam como mato, vendendo de tudo, se misturam ao lixo e ao desmazelo com as áreas verdes. Carros estacionam em cima dos gramados. Andar à noite pela cidade é correr sério risco de vida. O barulho, a poluição visual e o desrespeito são regras gerais tanto no Plano Piloto, quanto nas administrações regionais. Quem manda de fato hoje em Brasília são políticos locais. Eles querem exatamente esse caos generalizado, porque é dele justamente que colhem os frutos podres de suas seguidas eleições.
O centro da cidade, tomado por mendigos e viciados e outros marginalizados, é um retrato acabado da decadência do terceiro mundo. Não se vê policiamento em parte alguma. Mesmo que houvesse, não daria conta do recado, pelo número de arruaceiros que perambulam pelo centro da capital.
Os governadores, todos eles, só pensam em obras vistosas e caras, capazes de chamar a atenção da população. O desrespeito às regras do tombamento é visto em toda a parte e ameaçam essa honraria.
Em todos os cantos, vê-se a multiplicação de barracos de lonas, abrigando famílias inteiras que vivem nessas áreas públicas sem quaisquer condições humanitárias dignas e sem qualquer controle dos órgãos de assistência social.
Também esses serviços, dado o grande número de pessoas em estado de miséria, não dão conta de atender tanta gente. Vive-se na capital um estado de caos permanente e crescente, com o Plano Piloto tomado por problemas sociais de todo o tipo.
Essa é a herança, realmente maldita, que vai sendo deixada na soleira da porta das casas de todos os brasilienses, trazida pela invenção da política local. É nisso que se transformou a capital de todos os brasileiros, numa cópia do que há de pior no restante do país. A conhecida teoria das janelas quebradas, na qual o Plano Piloto de Brasília se insere hoje como um modelo exemplar, mostra, com toda a clareza, que ao caos urbano e sem cuidados adequados seguem todos os outros fatores de decadência, em que a violência e os crimes são as consequências mais vistosas e as mais dramáticas.